domingo, 21 de fevereiro de 2021

O fogo grego

 

Frances Gies aponta que se o estribo teve um grande impacto no Ociente o “fogo grego” [1], uma espécie de arma incendiária, teve também um papel importante na defesa do império bizantino, sendo utilizado com grande efeito contra as frotas islâmicas no primeiro e segundo cercos de Constantinopla em 678 na vitória de Constantino Pogonato sobre os árabes.[2] Dispositivos engenhosos foram inventados para o lançamento do fogo grego contra o inimigo já utilizavam a nafta  no século IV a.c.. O historiador James Riddick Partington sugere ser provável que o fogo grego tenha sido inventado pelos alquimistas em Constantinopla a partir de descobertas da escola de Alexandria.[3] Robert Fossier observa que o fogo grego já era utilizado pelos assírios na antiguidade [4]. O refugiado sírio Teófanes Calínico teria trazido os segredos da preparação do fogo grego de Alexandria e aperfeiçoado o produto conseguindo expulsar os árabes invasores de Constantinopla em 673 [5] e novamente em 717. Frances Gies questiona como uma mistura tão volátil poderia ser trazida em segurança em navios da época, no entanto, uma hipótese é que tal volatilidade era alcançada apenas quando a mistura era submetida ao calor e pressão momentos antes da batalha. [6] Hoje a composição do fogo grego é desconhecida, porém, ao que tudo indica seu principal componente era o óleo cru destilado, amplamente disponível na região, enriquecido com salitre, enxofre e carvão. Trevor Wiliams aponta a nafta como componente secreto essencial do fogo grego [7]. Os chineses também se destacaram no século XI pela mistura de carvão e enxofre para fabricação de misturas incendiárias [8]. O exemplo mostra que parte dos segredos dos alquimistas se devia a questões militares. [9] Outra razão é a relativa a segurança, na expectativa de encontrar a pedra filosofal (lapis philosophorum) [10] que convertesse metais em ouro, suas técnicas, vistas como uma etapa para este objetivo maior, a revelação de que são possuidores de tais segredos poderiam representar um risco de vida diante da ambição dos concorrentes e do valor econômico que isto poderia significar.[11] A pedra filosofal era considerada o fim última da alquimia, a Grande Obra, ou Grande Magistério, capaz de transformar, por simples contato, os metais em ouro. A pedra opera como uma espécie de catalisador da transmutação, ao mesmo passo que também atua como medicamento, pois se ele é capaz de purificar os metais impuros tornando-os puros, para o homem ela atua como o elixir da longa vida, o remédio de todas as doenças.[12] Com a pedra filosofal o alquimista se une com o espírito divino que permeia o universo e torna-se semelhante ao próprio deus, ou magus.[13]



[1]PASQUALE, Giovanni Di. Bizâncio e a técnica. IN: ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.477

[2]SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.II, Oxford, 1956, p.375; READERS'S DIGEST. Da idade do ferro à idade das trevas: de 1200 a.c. a 1000 d.c, Rio de Janeiro, 2010, p.135; TATON, René. A ciência antiga e medieval: a idade Média, tomo I, livro 3, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 83

[3]https://pt.wikipedia.org/wiki/Fogo_grego

[4]FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p.219

[5]CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 289

[6]GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 61

[7]DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.388

[8]CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 332

[9]STRATHERN, Paul. O sonho de Mendeleiev: a verdadeira história da química, Rio de Janeiro:Zahar, 2002, p.40

[10]SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.II, Oxford, 1956, p.732; LEXIKON, Herder. Dicionário de símbolos, São Paulo:Cultrix, 1990, p. 157

[11]HOLMYARD, E.J. Alchemy, Dover pub:New York, 1990, p.16

[12]LAFONT, Olivier. A química. In: COTARDIÈRE, Philippe. História das ciências: da antiguidade aos nossos dias, Rio de Janeiro:Saraiva, 2011, p.149

[13]FANNING, Philip. Isaac Newton e a transmutação da alquimia, Santa Catarina:Danúbio, 2016, p. 26



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