Stuart
Schwartz mostra que não se pode entender a sociedade colonial do açúcar como
formada apenas por escravos e senhores de engenho. O processo de produção do
açúcar envolvia diferentes etapas, o que remete a um processo industrial, e
como tal fundamenta uma complexa estratificação social. Mesmo entre os escravos
nem todos trabalhavam nas tarefas mais pesada que envolviam o corte da cana. A
economia do açúcar é uma síntese da sociedade colonial. A atividade de purga do
açúcar exigia outra habilidade do escravo e não propriamente o trabalho braçal.
Mesmo a estrutura deste processo econômico organiza um meio social complexo que
incorpora trabalhadores livres como carpinteiros encarregados para fazer a
manutenção dos moinhos dos engenhos [1].
Para Gabriel Beltrão [2]:
“Enquanto na Europa o surgimento da manufatura é resultado do processo de
separação dos trabalhadores dos seus meios de produção, opondo-se-lhes com o
capital, na manufatura açucareira americana a relação de produção constituída
tem na coerção extra econômica o fundamento do processo produtivo”. Nos
engenhos de açúcar havia um elevado grau de divisão do trabalho e
consequentemente de especialização dos trabalhadores. A introdução do engenho
de palitos ou engenho de entrosas a partir de 1610 permitiu uma maior
produtividade pois suprimiu-se a necessidade de mão de obra para conduzir o
bagaço de uma máquina à outra bem como o operador da prensa que deixou de ser
necessária. Enquanto no processo antigo exigia cinco trabalhadores no novo
processo bastavam três trabalhadores. O primeiro escravo deixa de deslocar e se
torna fixo com a tarefa de alimentar a moendas com roletes e bagaço. Aquele
que põe o rolete entre os rolos é o mesmo que se deslocar para trás e a fim de
trazer o bagaço para a frente para que possa ser reintroduzido e extrair toda a
cana. Se por um lado a inovação tecnológico aumento a quantidade de caldo de
cana produzido, por outro lado não houve qualquer aperfeiçoamento tecnológico
nas etapas seguintes de cozimento do caldo e purgação do açúcar, o que exigiu
aperfeiçoamentos também nesta etapa com o aumento do número de caldeiras feitas
de cobre, ou seja, soluções quantitativas, mas que mantinham a produtividade
desta etapa. Será somente no século XIX
que as máquinas industriais chegam à cozinha do engenho. Segundo Ruy Gama: “o
gargalo da sequência de atividades da manufatura estava na cozinha”.[3]
Segundo
Antonil a casa das fornalhas era bastante insalubre e lembrava o “fumo perpétuo e via imagem dos vulcões
Vesúvio e Etna e quase do Purgatório ou do Inferno” [4] e muitas vezes reservados aos escravos portadores de doenças sexuais pois
acreditava-se nas propriedades terapêuticas do calor excessivo.[5] Segundo Manuel Diegues: “o mestre de
açúcar é o técnico que supervisiona toda a atividade do preparo do açúcar no
engenho. Outros técnicos em especializações particulares, ajudam o mestre do
açúcar em funções específicas: o caldeireiro que baldeia o caldo para as tochas
e vai também limpando, com a espanadeira a espuma fervente nas caldeiras,
ajudando o caldo; o tacheiro que se incumbe de acompanhar o desenvolvimento do
caldo nas tachas e o purgador que é o químico no preparo da cristalização do
açúcar nas formas”.[6] Mary del Priore mostra o mestre do açúcar era um negro livre encarregado de
manipular a caldeira mantendo a temperatura adequada, sendo um trabalhador
valorizado na economia colonial e que recebia um salário por safra. Em Campos
em 1790 recebia um mínimo de 600 e 800 reis por dia.[7] Segundo Antonil “a quem faz o açúcar, com
razão se dá o nome de mestre, porque o seu obrar pede inteligência,
atenção e experiência, e esta, não basta que seja qualquer, mas é necessária a
experiência local, a saber, do lugar e qualidade da cana, aonde se planta e se
móis. Porque ainda que a cana não seja qual deva ser, muito pode ajudar a arte,
no que faltou a natureza. E, pelo contrário, pouco importa que a cana seja boa,
se o fruto dela e o trabalho de tanto custo se botar a perder por descuido, com
não pequeno encargo de consciência para quem recebe avantajado estipêndio”.[8] Para Ruy Gama o empirismo de Antonil é oriundo do pensamento renascentista
italiano.[9] Gabriel Magalhães destaca que o engenho não extinguiu, portanto, o papel do
artesão na figura do mestre de açúcar, ao contrário, intensificou a sua
importância.
[1]SCHWARTZ, Stuart.
Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835, São Paulo:Cia
das Letras, 1988 in: PIMENTA, Garrido. A economia e a sociedade do açúcar (Aula
6, parte 3), 2014 https://www.youtube.com/watch?v=ISRcTJIoflU&t=37s
[2] BELTRÃO, Gabriel Magalhães. A economia colonial e a particularidade da
manufatura açucareira, Mestrado em Sociologia, Universidade Federal de Alagoas,
Maceió, 2013
[3] GAMA, Ruy, Engenho e tecnologia , São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.339
[4]GOMES, Laurentino.
Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.332; MARTINS, Wilson.
História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 240
[5] CAMPOS, Raymundo.
Grandezas do Brasil no tempo de Antonil, São Paulo:Atual Editora, 1996, p. 21
[6] DIEGUES, Manuel.
População e açúcar no nordeste do Brasil, Comissão Nacional de Alimentação,
1954, p.147
[7] PRIORE, Mary del.
Histórias da gente brasileira, v.1 Colônia.Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 76
[8]
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