quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Tratado de Tordesilhas e a terra plana

 

O tratado de Tordesilhas de 1494 ao tratar da divisão do mundo conhecido em torno de um meridiano norte sul imaginário a 370 milhas à oeste de cabo Verde é razoável dentro de um modelo de terra esférica diante da disputa das ilhas Molucas. A coroa espanhola violara o Tratado ao ocupar as Filipinas e as ilhas Molucas que pertenciam a Portugal.[1] A questão foi resolvida apenas com o Tratado de Saragoça, também referido como Capitulação de Saragoça de 1529 em que definiu-se a continuação do meridiano de Tordesilhas no hemisfério oposto na altura do Pacífico.[2] Aquino destaca que o Tratado de Tordesilhas pode ser visto como “um dos momentos mais significativos da revisão ptolomaica iniciada após as viagens atlânticas” na medida em que estende a concepção medieval que remonta à geografia de Ptolomeu e que se limita a faixa oeste às “ilhas Afortunadas” ou “insulas fortunatarum” em referência possivelmente às ilhas de Açores, Madeira, Canárias e de Cabo Verde.[3] Em carta de 4 de junho de 1501 Américo Vespúcio descreve: “e navegamos tanto que passamos à vista das ilhas Afortunadas, hoje chamadas Canárias”[4]. As Canárias já aparecem desenhadas em carta do século XI, porém os portugueses conquistam a ilha em 1343. No portulano de 1351 já figura a ilha da Madeira.[5] Na corte espanhola, Colombo foi questionado por um dos especialistas de Salamanca que caso atravessasse o horizonte ocidental estaria velejando para baixo como que descendo uma montanha e não teria como regressar mesmo com ajuda de fortes ventos, objeção que já havia sido levantado na comissão portuguesa.[6] Pietro Martre ao publicar em 1511 Décadas do novo mundo exalta Colombo como aquele que provou que a parte abaixo do equador era habitável, no entanto em nenhum momento questiona a esfericidade da terra como algo que fosse objeto de dúvida na época [7]. Nos diários de Colombo os seus marinheiros questionam a possibilidade de fato do navio poder retornar à Espanha uma vez que os ventos, soprando sempre para o oeste, não permitiriam fazer a viagem a volta para o leste.[8]



[1] AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.230

[2] MIGLIACCI, Paulo. Os descobrimentos: origens da supremacia europeia, São Paulo:Scipione, 1994, p. 54

[3] AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.87

[4] PEREIRA, Paulo Roberto. Os três únicos testemunhos do descobrimento do Brasil, Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999, p. 15

[5] VASCONCELLOS, Ernesto; GAMEIRO, Alfredo; MALHEIROS, Carlos. In: História da Colonização Portuguesa no Brasil, Edição Monumental Comemorativa do Centenário de Independência do Brasil, Porto, Litografia Nacional, 1921, Primeira Parte: O descobrimento, V.1 Os precursores de Cabral, p. LXIII

[6] RESTON, James. Os cães do senhor. São Paulo:Record, 2008, p. 184

[7] CORMACK, Lesley. Mito 3: que os cristãos medievais ensinavam que a terra era plana, In: In: NUMBERS, Ronald. Terra plana, Galileu na prisão e outros mitos sobre a ciência e religião, Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020, p. 55

[8] CORMACK, Lesley. Mito 3: que os cristãos medievais ensinavam que a terra era plana, In: In: NUMBERS, Ronald. Terra plana, Galileu na prisão e outros mitos sobre a ciência e religião, Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020, p. 56



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