Em
relatório de 1897 de Joaquim Murtinho o ministro da Fazenda de Campos Sales
descreve que: “a pseudoabundância de
capitais produzidos pelo papel moeda promoveu a criação de um sem número de
indústrias e desenvolveu de modo extraordinário a atividade agrícola. Daí o
estabelecimento de indústrias artificiais e a organização agrícola para a
produção exagerada de café, dois fatores da desvalorização de nossa produção. O
emprego de capitais e operários em indústrias artificiais representa um
verdadeiro esbanjamento da fortuna nacional”.[1] Francisco Iglesias destaca que embora o emissionismo desenfreado no
encilhamento tenha dado margem a um negocismo desenfreado e sem lastro a medida
trouxa como efeito positivo o fato de ter despertado o gosto de investir, de se
fazer associações e empresas: “sacudiu a
inércia, quebrou as barreiras da timidez, deu gosto pela atividade empresarial,
fez do homem de negócios personagem considerável, rompendo com a massa de
preconceitos, limitadores da economia nacional”.[2] Esta ética empresarial contrasta com à experiência industrial na Inglaterra
em que o calvinista ao fomentar um estilo de vida diligente, parcimonioso,
honesto e austero contribuiu para a confiabilidade nos contratos que Douglass
North destaca.[3] Assim uma conduta baseada em elevados padrões morais se alinhava com a busca de
lucros e riqueza: “ esse ascetismo
mundano e a disciplina específica das seitas engendraram a mentalidade
capitalista e o homem profissional e racional que o capitalismo precisava”.[4] Alguns empreendimentos contudo foram bem sucedidos. Os engenheiros Antonio de
Paula Freitas e Carlos Sampaio criaram a Companhia de Construções Civis em 1891
para explorar uma área agreste para iniciar um loteamento que viria a dar
origem ao bairro de Copacabana. Outros exemplos incluem a Companhia Antártica
Paulista na área de bebidas e a Companhia Melhoramentos de São Paulo na área
editorial. A Bolsa de Valores de São Paulo surge na mesma época em 1890.[5]
Roberto Simonsen em “A evolução industrial do Brasil” irá se referir a este momento como “o primeiro surto industrial”. Entre 1885 e 1889 foram abertos 248 estabelecimentos, enquanto que de 1890 e 1894 foram abertos 452 estabelecimentos. Para Roberto Simonsen: “o encilhamento assinala uma época de grandes especulações e da formação de numerosas empresas, que só arrefeceu na década de 1890 a 1900”.[6] Jorge Caldeira observa como indicador desse surto industrial na República Velha que o aumento da proporção da compra de equipamentos que no últimos anos do império era de apenas 1% em 1880 e chegou a 2.6% em 1889 e a 5.5% com o início da República: “a passagem da estagnação secular da monarquia para a dinâmica republicana acelerada num ritmo de crescimento superior ao das economias ocidentais está muito relacionada às mudanças internas do que ao cenário externo”, entre os quais Jorge Caldeira destaca a eliminação do Poder Moderador e o enfraquecimento do poder central [7]: “Depois dos decretos de Rui Barbosa em 1890 o governo renunciou ao papel de interventor vigilante na vida econômica e criou as condições legais para que empresários pudessem atuar com liberdade”.[8] Raimundo Faoro sobre o encilhamento argumenta que : “a anomalia reproduz, em outras cores e nas linhas mais vivas, a ilusão progressista do meado do século com a diferença de que ela seria estimulada para, sobre outra realidade, reconstruir a sociedade. A agitação especuladora não assenta sobre o nada, senão que extrema e expande o surto industrial embora débil, realmente atuante, nos últimos anos do Império. A década de 1881/90 iria revelar a primeira manifestação industrial do país, a primeira que se sustentaria e que, embora empalidecesse no futuro, seria a base de subsequentes ensaios manufatureiros”.[9]
[1] CALDEIRA, Jorge.
História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.388
[2] IGLESIAS, Francisco. A
industrialização brasileira, Coleção Tudo é história, n° 98, São
Paulo:Brasiliense, 1986, p. 59
[3] LANDES, David. Prometeu
desacorrentado, Rio de Janeiro:Elsevier, 2005, p.22
[4] KALBERG, Stephen. Max
Weber: uma introdução, Rio de Janeiro:Zahar, 2010, p. 58
[5] GOMES, Laurentino,
1889, Rio de Janeiro: GloboLivros, 2013, p.340
[6] MOREIRA, Regina da Luz; FONTES, Paulo. A casa do empresário: trajetória da
Associação Comercial do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: FGV, 2009, p.136
[7] CALDEIRA, Jorge.
História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.487, 491
[8] CALDEIRA, Jorge.
História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.517
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