quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Encilhamento e o surto industrial no final do século XIX

 

Em relatório de 1897 de Joaquim Murtinho o ministro da Fazenda de Campos Sales descreve que: “a pseudoabundância de capitais produzidos pelo papel moeda promoveu a criação de um sem número de indústrias e desenvolveu de modo extraordinário a atividade agrícola. Daí o estabelecimento de indústrias artificiais e a organização agrícola para a produção exagerada de café, dois fatores da desvalorização de nossa produção. O emprego de capitais e operários em indústrias artificiais representa um verdadeiro esbanjamento da fortuna nacional”.[1] Francisco Iglesias destaca que embora o emissionismo desenfreado no encilhamento tenha dado margem a um negocismo desenfreado e sem lastro a medida trouxa como efeito positivo o fato de ter despertado o gosto de investir, de se fazer associações e empresas: “sacudiu a inércia, quebrou as barreiras da timidez, deu gosto pela atividade empresarial, fez do homem de negócios personagem considerável, rompendo com a massa de preconceitos, limitadores da economia nacional”.[2] Esta ética empresarial contrasta com à experiência industrial na Inglaterra em que o calvinista ao fomentar um estilo de vida diligente, parcimonioso, honesto e austero contribuiu para a confiabilidade nos contratos que Douglass North destaca.[3] Assim uma conduta baseada em elevados padrões morais se alinhava com a busca de lucros e riqueza: “ esse ascetismo mundano e a disciplina específica das seitas engendraram a mentalidade capitalista e o homem profissional e racional que o capitalismo precisava”.[4] Alguns empreendimentos contudo foram bem sucedidos. Os engenheiros Antonio de Paula Freitas e Carlos Sampaio criaram a Companhia de Construções Civis em 1891 para explorar uma área agreste para iniciar um loteamento que viria a dar origem ao bairro de Copacabana. Outros exemplos incluem a Companhia Antártica Paulista na área de bebidas e a Companhia Melhoramentos de São Paulo na área editorial. A Bolsa de Valores de São Paulo surge na mesma época em 1890.[5]

Roberto Simonsen em “A evolução industrial do Brasil” irá se referir a este momento como “o primeiro surto industrial”. Entre 1885 e 1889 foram abertos 248 estabelecimentos, enquanto que de 1890 e 1894 foram abertos 452 estabelecimentos. Para Roberto Simonsen: “o encilhamento assinala uma época de grandes especulações e da formação de numerosas empresas, que só arrefeceu na década de 1890 a 1900”.[6] Jorge Caldeira observa como indicador desse surto industrial na República Velha  que o aumento da proporção da compra de equipamentos que no últimos anos do império era de apenas 1% em 1880 e chegou a 2.6% em 1889 e a 5.5% com o início da República: “a passagem  da estagnação secular da monarquia para a dinâmica republicana acelerada num ritmo de crescimento superior ao das economias ocidentais está muito relacionada às mudanças internas do que ao cenário externo”, entre os quais Jorge Caldeira destaca a eliminação do Poder Moderador e o enfraquecimento do poder central [7]: “Depois dos decretos de Rui Barbosa em 1890 o governo renunciou ao papel de interventor vigilante na vida econômica e criou as condições legais para que empresários pudessem atuar com liberdade”.[8] Raimundo Faoro sobre o encilhamento argumenta que : “a anomalia reproduz, em outras cores e nas linhas mais vivas, a ilusão progressista do meado do século com a diferença de que ela seria estimulada para, sobre outra realidade, reconstruir a sociedade. A agitação especuladora não assenta sobre o nada, senão que extrema e expande o surto industrial embora débil, realmente atuante, nos últimos anos do Império. A década de 1881/90 iria revelar a primeira manifestação industrial do país, a primeira que se sustentaria e que, embora empalidecesse no futuro, seria a base de subsequentes ensaios manufatureiros”.[9]



[1] CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.388

[2] IGLESIAS, Francisco. A industrialização brasileira, Coleção Tudo é história, n° 98, São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 59

[3] LANDES, David. Prometeu desacorrentado, Rio de Janeiro:Elsevier, 2005, p.22

[4] KALBERG, Stephen. Max Weber: uma introdução, Rio de Janeiro:Zahar, 2010, p. 58

[5] GOMES, Laurentino, 1889, Rio de Janeiro: GloboLivros, 2013, p.340

[6] MOREIRA, Regina da Luz; FONTES, Paulo. A casa do empresário: trajetória da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: FGV, 2009, p.136

[7] CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.487, 491

[8] CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.517

[9] FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, v.2, São Paulo:Ed. Globo, 2000, p.118



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