quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Cultura e opulência do Brasil

 

O jesuíta italiano André João Antonil em trabalho escrito em 1711 descreve em detalhes os engenhos de açúcar da Bahia na sua obra Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas[1], assim como os trabalhos de Gabriel Soares Sousa [2] em Tratado descritivo do Brasil escrito em 1567 e o de Luís dos Santos Vilhena para fins do século XVIII em Notícias soteropolitanas.[3] A obra de Antonil (pseudônimo de João Antonio Andreoni segundo Capistrano de Abreu [4]), considerada por Ruy Gama como “de enorme importância para a história das técnicas no Brasil” [5] foi censurada em Portugal em 20 de março de 1711 , apenas 14 dias após a sua autorização de venda, devido ao receio de que pudesse despertar a cobiça de estrangeiros pelo ouro brasileiro,[6] tornando-se uma raridade bibliográfica [7]. Wilson Martins lista algumas razões apontadas por historiadores para a censura tais como ensino das teses de Maquiavel (Araripe Júnior), revelar segredos da fabricação do açúcar (João Lúcio de Azevedo), formentar ideias de independência (Capistrano de Abreu), no entanto a razão alegada pelo Conselho e apontada por Serafim Leite a de despertar a cobiça dos estrangeiros para as riquezas do Brasil. Frei José Mariano da Conceição Veloso considera tal razão infantil pois bastaria as “nações estranhas” invadir o território para encontrar o caminho de tais riquezas, ademais o texto é claro na descrição de tais informações, e de início foi aprovado pelo Conselho Ultramarino. Walter Martins sugere que Antonil tenha sido vítima da rivalidade e luta pro prestígio de diferentes órgãos de censura, uma vez que somente em 1768 será criada a Real Mesa Censória, unificando tal jurisdição. O livro se inicia com a constatação: “o ser senhor de engenho é título que a mutos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos”. Mesmo o tenente inglês Watkin Tench em visita ao Rio de Janeiro em 1787 escreve: “O Brasil é um território muito mal conhecido na Europa. Os portugueses, por razões políticas, não divulgam quase nenhuma informação sobre essa colônia. Daí, as descrições vinculadas nas publicações geográficas inglesas serem, estou certo, terrivelmente errôneas e imperfeitas” [8]. Capistrano de Abreu aponta que na verdade que o risco era que os próprios brasileiros tomassem conhecimento de suas riquezas e isso pudesse estimular anseios de independência [9]. O Rio de Janeiro havia sido atacado em 1710 por Jean François Duclerc e no ano seguinte por Duguay Trouin, o que revela que o receio de ataques de corsários em busca das riquezas do Brasil era justificado.[10] Para Capistrano de Abreu a razão da proibição foi evitar a disseminação deste conhecimento entre os próprios brasileiros.[11] O texto teve circulação livre somente em 1837 publicado por Julius Villeneuve.[12] Em 2001 um dos originais foi obtido pela Brown University por 232 mil dólares, sendo um dos seis exemplares conhecidos, um dos quais na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro que disponibilizou a obra na internet.[13]



[1] FILGUEIRAS, Carlos. Origens da química no Brasil, Campinas:Ed. Unicamp., 2015, p.38 http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/cultura-e-opulencia-do-brasil-por-suas-drogas-e-minas/ http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasraras/or1320141/or1320141.pdf

[2] SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587, São Paulo:Cia Editora Nacional, Brasiliana, v.117, 1971

[3] RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro, São Paulo:Cia de Bolso, 2006, p.256; JUNIOR, Caio Prado. História econômica do Brasil, São Paulo:Brasiliense, 1979, p.89

[4] VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História geral do Brasil, São Paulo:Melhoramentos, 1948, v. III, p. 342; SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1962, p.104; MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 273

[5] GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo:Duas Cidades, 1979, p.35, 291

[6] BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento, Rio de Janeiro:Zahar, 2003, p.132

[7] VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História geral do Brasil, São Paulo:Melhoramentos, 1948, v. III, p. 341

[8] FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Imagens do Brasil nas relações de viagem dos séculos XVII e XVIII, Revista Brasileira de Educação, set/out/nov/dez 2000,n.15, Rio de Janeiro:ANPED, p.8

[9] ABREU, Capistrano. Capítulos de História Colonial. São Paulo: PubliFolha, 2000, p. 186

[10] CAMPOS, Raymundo. Grandezas do Brasil no tempo de Antonil, São Paulo:Atual Editora, 1996, p. 6. SOUTHEY, Robert. História do Brasil, Brasília: Melhoramentos, 1977, v.3, p. 71; CALDEIRA, Jorge. A nação mercantilista, São Paulo:Ed. 34, 1999, p. 13; BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica, Brasisilana v.155, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1980, p.95

[11] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 108

[12] SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 14

[13] SOUZA, Laura de Mello. O ouro da discórdia. Revista da História da Biblioteca Nacional, n° 71, agosto 2011, p.56 https://bndigital.bn.gov.br/artigos/cultura-e-opulencia-do-brasil-de-andre-joao-antonil/



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