quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

As origens medievais da confissão auricular

 

Georges Duby observa que o período no decorrer do século XII mostra marcas evidentes da conquista de uma autonomia pessoal, momento em que se observa um crescimento agrícola a a reanimação dos mercados e aldeias: “tal mobilização das iniciativas e das riquezas suscitou a valorização progressiva da pessoa [...] o que reivindica uma identidade no seio do grupo, o direito de deter um segredo, distinto do segredo coletivo”.[1] A confissão auricular já difundida nas comunidades monásticas europeias do século VII [2] é outra marca desta sociedade que se volta para o indivíduo que havia de modificar o sentido da palavra privado.[3] O bispo Ambrósio (340-397) dizia que “pecar é comum a todos os homens, mas arrepender-se é próprio dos santos” “culpam incidisse, naturae est, diluísse, virtuitis” [4] e se refere a prática da penitência: “Pareceria impossível que os pecados devam ser perdoar através penitência; Cristo outorgou este (poder) aos apóstolos e dos apóstolos foi transmitido ao ofício dos sacerdotes” (De poenitentia II, ii, 12). Segundo o arcebispo de Alexandria, Atanásio (296-373): “Assim como o homem batizado pelo sacerdote é iluminado pela Graça do Espírito Santo, assim também aquele que em penitência confessa seus pecados, recebe através do sacerdote o perdão em virtude da graça de Cristo” (Fragmentum contra Novatum, PG XXVI, 1315). O arcebispo de Constantnopla, João Crisóstomo  (347-407): “Os sacerdotes receberam um poder que Deus não deu nem aos anjos nem aos arcanjos. Foi dito a eles: 'Tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares, será desligado. Governantes temporais têm realmente o poder de ligação, mas eles só podem ligar o corpo. Sacerdotes, em contraste, podem ligar com um vínculo que pertence à própria alma e transcende os próprios céus. Será que [Deus] não lhes dar todos os poderes do céu? ‘De quem você deve perdoar pecados’, diz ele, ‘são-lhes perdoados; cujos pecados você retiver, são retidos’. Que maior poder há do que isso? O Pai entregou todo o julgamento ao Filho. E agora eu vejo o Filho colocando todo esse poder nas mãos dos homens [Mat. 10, 40, João 20, 21-23]. Eles são criados para esta dignidade como se eles já estivessem reunidos para o céu” (O Sacerdócio 3, 5) [5]. O primeiro testemunho de que estava em vigor a administração privada do sacramento da Penitência, se deve ao Concilio III de Toledo (Espanha), em 589 que a denunciava como abuso e exigia a observância da tradição antiga de confissão pública [6]. Em 1215 no IV Concílio de Latrão em Roma havia sido instituída a obrigatoriedade da confissão anual [7], que já era uma prática na Igreja. Segundo o canon 21 do Concílio: “Todos os fiéis de ambos os sexos devem, depois de terem atingido a idade do discernimento, fielmente confessar todos os seus pecados pelo menos uma vez por ano ao seu próprio (pároco) sacerdote e realizar no melhor de sua capacidade a penitência imposta”.



[1]DUBY, Georges. A emergência do indivíduo. A solidão nos séculos XI-XIII. In: ARIÉS, Philippe; DUBY, Georges. História da vida privada: da Europa Feudal à Renascença, v.2, São Paulo:Cia das Letras, 1990, p.505, 506, 508

[2]CASAGRANDE, Carla; VECCHIO, Silvana. Pecado. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 389

[3]DUBY, Georges. A emergência do indivíduo. A solidão nos séculos XI-XIII. In: ARIÉS, Philippe; DUBY, Georges. História da vida privada: da Europa Feudal à Renascença, v.2, São Paulo:Cia das Letras, 1990, p.525; LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 37

[4]Apologia David ad Theodosium Augustum II, 5.6 In: BETTENCOURT, Rstevão. Diálogo ecumênico, Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1984, p. 129

[5]https://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/estudos-patristicos/578-os-pais-da-igreja-e-o-sacramento-da-penitencia-confissao-auricular

[6]http://www.pr.gonet.biz/kb_read.php?num=2341&pref=pdf&head=1

[7]FOSSIER, Robert. As pessoas da idade média, Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 297; GOFF, Jacques. A bolsa e a vida, São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 12



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