terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

A revolução do açúcar de beterraba

 

Fernando de Azevedo observa que a máquina a vapor teve como consequência o deslocamento das unidades de produção de açúcar das áreas coloniais para a Europa. Outra inovação tecnológica a invenção do açúcar de beterraba em 1810 contribui para o declínio do ciclo açucareiro no Brasil.[1] Edmund Lippmann observa que Sigismundo Marggraf e posteriormente Francisco Achard desenvolveram novo processo de açúcar a partir da beterraba. Eric Hobsbawn destaca que a inovação foi o resultado da pressão das guerras napoleônicas e revolucionárias como forma de se buscar alternativas para o açúcar de cana importado das Antilhas.[2] Em 1802 com apoio de Guilherme III, Achard funda a primeira fábrica açucareira transformadora das beterrabas, em Kunern, na Silésia. [3] Com o bloqueio continental imposto por Napoleão em 1806 a entrada dos carregamentos de açúcar vindo das Américas foi barrada na Europa. Napoleão procurou estimular a produção alternativa de açúcar vindos dos trópicos com um prêmio de um milhão de francos para aquele que produzisse açúcar com plantas do próprio país o que estimulou ao aumento de pesquisas para aumentar a produtividade da beterraba empreendida por Vilmorin e Guilherme Rimpau.[4] A proibição da venda de mercadorias britânicas e com isso do açúcar das colônias inglesas no Caribe foi revogada com o fim das Guerras napoleônicas em 1815 quando então a beterraba passou a concorrer com a cana de açúcar.[5] Em 1870 a França já era o maior produtor europeu de açúcar [6]. No decênio de 1870 o açúcar brasileiro rapidamente perdeu terreno ao açúcar de beterraba no mercado inglês. [7] Entretanto Liebig nas Cartas Químicas de 1844 “esta bela fabricação não durará ... ela não tem futuro ... não paga seu alto custo e nenhuma vantagem oferece, assemelha-se a uma planta de estufa, muito dispendiosa”. Em 1865 diante dos problemas da escravidão e influenciado por economistas protecionistas como List a França passou a considerar a indústria da beterraba como “uma verdadeira benção” mesmo diante de sua ineficiência. O general Cancrin influente Ministro da Fazenda e fundador do Zollverein na Alemanha afirma “este fabrico de beterraba representa uma perda de esforço incompatível com o nosso clima, uma nada boa mas muita má consequência da alta tarifa sobre o açúcar colonial”.[8] Segundo John Normano a política de economia continental de Napoleão de incentivo ao cultivo da beterraba representou um golpe no comércio do açúcar mas foi contrabalançado pela revolta de São Domingos no Haiti (1791-1804) que levou a destruição das safras e a crescente importância dos Estados Unidos como um novo mercado, o que favoreceu uma maior demanda pelo açúcar brasileiro e a ganhos de produtividade: “a revolução tecnológica produzida nas atividades açucareiras em meados do século XIX atingiu o Brasil de maneira considerável”.[9] Segundo Anton Zischka: “o açúcar da beterraba representa o primeiro triunfo da pesquisa sobre um monopólio tropical e, ao mesmo tempo, é a prova mais evidente da enorme importância da seleção. O açúcar de beterraba é um triunfo de Mendel, embora os primeiros cultivadores dessa planta ignorassem o monge, embora o teor sacarino tivesse aumentado pela seleção antes de se conhecerem as leis respectivas e o melhoramento da beterraba tivesse sido feito empiricamente” [10]



[1]AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira, São Paulo:Melhoramentos, 1971, p.90

[2]HOBSBAWN, Eric. A era das revoluções, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 114

[3]ZISCHKA, Anton. A ciência quebra monopólios. Porto Alegre:Ed. Globo, 1939, p.11

[4]ZISCHKA, Anton. A ciência quebra monopólios, Porto Alegre:Ed. Globo, 1939, p.84

[5]READER’S DIGEST, Revolução na indústria de 1810 a 1855, Rio de Janeiro: Reader’s Digest, 2011,p. 84

[6]GNACCARINI José. A economia do açúcar , processo de trabalho e processo de acumulação. In: FAUSTO, Boris. O Brasil Republicano, tomo III, v. I Estrutura de poder e economia (1889-1930), São Paulo:Difel, 1977, p.312

[7]EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco 1840-1910. São Paulo: Unicamp, 1977, p.48

[8]LIPPMANN , Edmund O. von. História do açúcar desde a época mais remota até o começo da fabricação do açúcar de beterraba; Tradução de Rodolfo Coutinho. Rio de Janeiro : Instituto do Açucar e do Alcool, 1941-1942, p. 336

[9]NORMANO, John Francis. Evolução econômica do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1939, p.30

[10]ZISCHKA, Anton. A ciência quebra monopólios, Porto Alegre:Ed. Globo, 1939, p.77



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