sábado, 27 de fevereiro de 2021

A proposta de universidade no Brasil colonial

 

Segundo Maria de Lourdes Fávero “em matéria de ensino as diretrizes emanadas da Corte eram feitas como se visassem a estabelecer a rotina; paralisar as iniciativas, em vez de estimulá-las”.[1] Mesmo após a independência esta condição de atraso na educação se prolongou de modo que ao final do Império em 1879 o Brasil tinha seis instituições de ensino superior sendo que nenhuma universidade, ou seja, as Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife; as Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia; a Escola Politécnica do Rio de Janeiro e a Escola de Minas de Ouro Preto.  Na Bahia por diversas vezes, sem sucesso, foi pedido elevar ao estatuto de universidade o colégio local dos jesuítas por oposição dos jesuítas da Universidade de Coimbra. A primeira petição da Câmara da Bahia data de 20 de dezembro de 1662, sendo uma segunda petição encaminhada em 1671 “para conferir graus universitários aos estudantes de teologia” de modo que não fosse necessário enviar seus filhos para se formar em Coimbra.  Segundo Charles Boxer: “Essa atitude mesquinha em relação ao ensino das colônias contrasta desfavoravelmente com a dos monarcas espanhóis, que encorajaram a fundação de universidades no Novo Mundo no século XVI (Santo Domingo, 1511; Cidade do México, 1533; Lima, 1571)”.[2] Luiz Antonio Cunha (na figura) observa que há que se considerar que Portugal dispunha de menos recursos docentes do que a Espanha onde no século XVI haviam oito universidades famosas, enquanto que em Portugal havia apenas Coimbra e mais tarde da de Évora, esta de pequeno porte. Ademais a Espanha havia encontrado civilizações avançadas, de cultura superior no sentido antropológico, o que exigia uma ideologia de colonização mais sofisticada com a formação de locais para esta tarefa, ou seja, é um erro considerar que as universidades nas colônias espanholas serviam como instrumento de libertação, quando seu papel era exatamente o de reforçar tal estrutura colonial  [3]. Outro fator a se considerar é que a própria Companhia de Jesus mantinha uma rivalidade antiga com a Universidade de Coimbra e por esta razão os jesuítas fundaram um colégio em Évora em 1551 que terá sua equiparação como universidade apenas em 1573.  Alcides Bezerra observa que os autores da época, como padre Antonio Vieira, frei Manuel do Desterro ou frei Mateus de Encarnação eram mais teólogos do que filósofos propriamente, de modo que a cultura intelectual da época, segundo Wilson Martins, de qualquer maneira, continuou sendo exclusivamente eclesiástica. [4] Para Simon Schwartzman: “Ao opor-se a essa autonomia, as elites de Portugal e do Brasil foram deixadas só com um dos dois ingredientes principais das universidades europeias modernas --- a educação profissional. Faltou-lhes o outro --- sua tradição de autogoverno e liberdade intelectual e de pesquisa. Em suma, tanto ao Brasil como a Portugal faltava um movimento social mais profundo, que pudesse ver a renovação universitária como um instrumento de mobilidade e afirmação social. As transformações ocorridas foram tentativas, feitas a partir do topo para a base, de formar indivíduos qualificados tecnicamente para administrar os assuntos do Estado e descobrir novas riquezas. Como veremos mais adiante, isso se conseguiu em parte, mas não havia espaço para que as atividades científicas dessem fruto. Ao assumir um caminho independente, a cultura brasileira incorporava só um dos componentes da ideia progressista de ciência daquela época, aquela relativa à sua aplicação. Faltava outro componente essencial: a existência de setores amplos da sociedade que vissem no desenvolvimento da ciência e na expansão da educação o caminho para o seu próprio progresso”.[5]

[1] FÁVERO, Maria de Lourdes. Universidade do Brasil das origens à construção. Rio de Janeiro:UFRJ, 2000, p.9, 24

[2] BOXER, Charles. O império colonial português, Lisboa: Edições 70, 1969, p. 328

[3] LOPES, Eliane. 500 anos de educação no Brasil, Belo Horizonte: Autentica, 2000, p.152

[4] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 167

[5] SCHWARTZMAN, Simo. Um espaço para a ciência, Sâo Paulo. Capítulo 2, http://www.schwartzman.org.br/simon/spacept/espaco.htm



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