Segundo Capistrano de Abreu: “As bandeiras do século
XVI devastaram sobretudo o Tietê, cujos numerosos tupiniquims desapareceram e,
o Alto Paraíba, chamado rio dos Surubis em Piratininga, segundo informa
Glimmer; com o tempo foram-se alongando os raios do despovoamento e depredação,
característico essencial e inseparável das bandeiras”. Nos Caminhos
antigos e o povoamento, de 1899, Capistrano de Abreu já indicava que os
bandeirantes tiveram um papel decisivo no extermínio dos indígenas: “concorreram
antes para despovoar que para povoar nossa terra, trazendo índios dos lugares
que habitavam, causando sua morte em grande número, ora nos assaltos às aldeias
e aldeamentos, ora com os maus tratos infligidos em viagens, ora, terminadas
estas, pelas epidemias fatais e constantes, aqui e alhures apenas os silvícolas
entraram em contato com os civilizados”. Quanto aos capelões que
acompanhava as bandeiras, o jesuíta espanhol Ruiz de Montoya (1585-1652) em Conquista
Espiritual de 1639 ao discorrer sobre os capelães que acompanhavam os bandeirantes
paulistas como “lobos vestidos em peles de ovelhas, uns hipócritas, os quais
tem por ofício enquanto os demais [os bandeirantes] andam roubando e despojando
as igrejas e prendendo os índios, matando e despedaçando as crianças, eles,
mostram longos rosários que trazem ao pescoço, chegando depois aos padres
jesuítas espanhóis pedindo-lhes confissão”.[1] Paulo
Prado em Retratos do Brasil de 1927 descreve o modus operandi dos
bandeirantes: “No anseio do enriquecimento cometeram todos os crimes que os
homens dessa época praticavam para satisfação de suas paixões. Vindo da mesma
origem metropolitana, a ìndia já lhes era uma escola de barbárie e imoralidade.
Segundo Horácio: “Mudam de ceu, mas não de espírito, os que atravessam os mares”. Nada
se parece tanto com uma entrada despovoadora dos sertões do Paranapanema,
dirigida por Manuel Preto ou um Antonio Raposo, como um ataque de soldados
portugueses à povoações asiáticas. Desciam aí dos navios que não se afastavam
como refúgio seguro, e repartiam-se sob duas ou três bandeiras nas quais
avultava a imagem da cruz. Entrada a povoação inimiga todo o ser vivo era
metido à espada, velhos, mulheres, crianças e até animais. Depois da matança
começava o saque. Não era menos inglória a guerrilha da bandeira paulista”.[2]
A crônica do jesuíta Montoya se constitui a principal
fonte de Capistrano em que narra com certa riqueza de detalhes o ataque de um
grupo de bandeirantes às missões. Em um desses ataques dos bandeirantes ao indígenas
ocorre no interior de uma igreja: “abriram um postigo [pequena porta] e
saindo por ele a modo de rebanho de ovelhas que sai do curral para o pasto, com
espadas, machetes e alfanjes lhes derribavam cabeças, truncavam braços,
desjarretavam pernas, atravessavam corpos. Provavam os aços de seus alfanjes em
rachar os meninos em duas partes, abrir-lhes as cabeças e despedaçar-lhes os membros”.
.A “lenda negra” dos bandeirantes, criada principalmente por jesuítas (Montoya,
Del Techo, Charlevoix) os qualificava como bandidos, assassinos, rústicos e
pagãos, se contrapunha a lenda dourada dos paulistas atualizada pelos autores territorialistas
paulistas do IHGB e do IHGSP como Afonso de Taunay (na foto). No entanto, segundo Danielo Ferreti: “Capistrano
não adotou um tom moralista, não identificou nas práticas violentas contra os
indígenas o critério principal de avaliação do processo histórico, nem
considerou seu extermínio e escravização uma espécie de pecado original da
nação. A violência, em sua escrita da história, é antes apresentada como uma
questão latente, um problema que recusou a escamotear, mas ao qual não oferece
resposta explícita”.[3]
Os feitos heroicos dos bandeirantes foram exaltados por
historiadores paulistas tais como Afonso Taunay (História Geral das
Bandeiras Paulistas, trabalho monumental resultou nos onze volumes
publicados entre 1924 e 1950) e Alfredo Ellis Jr. (Raça de gigantes,
1926). Afonso de Taunay foi um grande historiador e diretor do Museu Paulista
de 1917 a 1945. Sergio Buarque de Holanda foi seu sucessor. Segundo Alberto
Schneider: “Taunay seria o protagonista maior de uma interpretação das
bandeiras que confere ao bandeirante o ar de desbravador e integrador glorioso
do território nacional. Sérgio Buarque simbolizaria o exato contrário ao
acolher uma crítica desta mesma questão”, no entanto, os tomos XIII e XIV
dos Anais do Museu Paulista, publicados entre 1946 e 1956, quando Sergio
Buarque de Holanda esteve afrente do Museu Paulista, atestam uma continuidade
entre as duas diretorias. No entanto, após 1956 Sergio Buarque mostra uma
postura mais crítica quando, por exemplo, em Caminhos e fronteiras
(1957) reforça a imagem da "lenda negra" sobre personagens
emblemáticos das bandeiras, entre os quais, Antônio Raposo Tavares, no caso
retratado como um dos "assaltantes" das reduções religiosas do
rio Guairá. [4]
[1] ABREU, Capistrano. Capítulos de história colonial, São Paulo: Publifolha, 2000,
p. 128
[2] PRADO, Paulo. Retrato do Brasil, São Paulo: Cia das Letras, 1997, p.110
[3] FERRETI, Danilo. Capistrano de Abreu e as bandeiras: entre a condenação
indianista e a historiografia laudatória paulista. In: Os bandeirantes e a
historiografia brasileira: questões e debates contemporâneos/ Diogo da Silva Roiz, Suzana
Arakaki, Tânia Regina Zimmermann
(organizadores) Serra: Editora
Milfontes, 2018 https://editoramilfontes.com.br/acervo/Os%20Bandeirantes%20e%20a%20historiografia%20brasileira.pdf
[4] SCHNEIDER, Alberto Luiz and MARTINS, Renato. A EXPANSÃO PAULISTA EM
AFONSO DE TAUNAY E SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA: REFLEXÕES E TRAJETÓRIAS. Rev. Hist. (São Paulo) [online].
2019, n.178 [cited 2021-02-15], a01018.
Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-83092019000100312&lng=en&nrm=iso>.
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