Manuela Carneiro da Cunha [1] mostra que não havia um projeto de extermínio por parte da Coroa portuguesa: “Povos
e povos indígenas desapareceram da face da terra como consequência do que hoje se
chama, num eufemismo envergonhado "o encontro" de sociedades do
Antigo e do Novo Mundo. Esse morticínio nunca visto foi fruto de um processo
complexo cujos agentes foram homens e micro-organismos, mas cujos motores
últimos poderiam ser reduzidos a dois: ganância e ambição, formas culturais da
expansão do que se com convencionou chamar o capitalismo mercantil. Motivos
mesquinhos e não uma deliberada política de extermínio conseguiram esse
resultado espantoso de reduzir uma população que estava na casa dos milhões em
1500 aos parcos 200 mil índios que hoje habitam o Brasil. As epidemias são
normalmente tidas como o principal agente da depopulação indígena (ver, por
exempla Borah 1964)”. Luiz Felipe de Alencastro se refere a um “choque
microbiológico” que tanto atinge índios como europeus: “tudo indica que a
sífilis se disseminou mundo afora a partir da América Central [...] Fenômeno
parecido deu-se com a bouba, enfermidade transmitida pelo treponema pertenue, de
sintomas semelhantes aos da sífilis e com ela frequentemente confundida”. Com
a descoberta das Américas Luiz Felipe de Alencastro se refere a “unificação
microbiana do mundo”.[2] Segundo Manuela Carneiro: “Particularmente nefasta foi a política de
concentração da população praticada por missionários e pelos órgãos oficiais,
pois a alta densidade dos aldeamentos favoreceu as epidemias, sem no entanto
garantir o aprovisionamento. O sarampo e a varíola (que, entre 1562 e 1564, assolaram
as aldeias da Bahia fizeram os índios morrerem tanto das doenças quanto de fome)”.
André Thevet quando da invasão dos franceses no Rio de Janeiro se refere a
uma mortal “febre pestilencial” onde teriam morrido cerca de oito mil
tupinambás: “a maioria dos morubixabas morreu dessa peste”.[3]
Mas o choque epidemiológico não
foi o único fator responsável pela catástrofe demográfica entre os índios. Manuela
Carneiro traz estimativas de população indígena no Brasil do descobrimento de Rosenblat
(1954) e Julian Steward (1949) estimam em 1 milhão de habitantes. Denevan (1976)
avalia em 6,8 milhões a população aborígine da Amazónia, Brasil central e costa
nordeste, o que corresponde a densidade de 14,6 habitantes/km quadrado ao passo
que na península ibérica na mesma época este número era 17 habitantes/km quadrado.
Darcy Ribeiro utiliza a taxa de depopulação do México de Cook e Borah ( 1957)
de 25 para 1 para estimar em 5 milhões a população indígena tendo em vista a
população residual atual de 200 mil índios, no entanto, há que se considerar
que é consenso que os espanhóis foram mais cruéis que os portugueses em suas
conquistas na América. Segundo Darcy Ribeiro: “a população original do
Brasil foi drasticamente reduzida por um genocídio de projeções espantosas, que
se deu através da guerra de extermínio, do desgaste no trabalho escravo e na
virulência das novas enfermidades que os achacaram. A ele se seguiu o etnocídio
igualmente dizimadir, que atuou através da desmoralização pela catequese, da
pressão dos fazendeiros que iam se apropriando de suas terras, do fracasso de
suas próprias tentativas de encontrar um lugar e um papel no mundo dos brancos.
Ao genocídio e ao etnocídio se somam guerras de extermínio, autorizadas pela
Coroa contra índios considerados hostis, como os do vale do Rio Doce e do
Itajaí”.[4] Segundo
o testemunho de Fernão Cardim sobre os tamoios no Rio de Janeiro: “estes
destruíram os portugueses quando povoaram o Rio e deles há muito poucos”.[5] O próprio padre Anchieta na carta a Mem de Sá “De Gestis Mendi de Saa”
de 1560 saúda a o bravo governador por subjugar as populações aborígenes pelo
colono português: “quem poderá contar os gestos heroicos do chefe à frente
dos soldados, na imensa mata. Cento e sessenta as aldeias incendiadas. Mil casas
arruinadas pela chama devoradora. Assolados os campos, com suas riquezas. Passado
tudo ao fio de espada”. [6] Para Anchieta tal violência se justificava pois “para esse gênero não há
melhor pregação do que a espada e a vara de ferro”. [7] Warren Dean estimou que dos cerca de 100 mil tupinambás em 1500 nos arredores
da capitania do Rio de Janeiro, restavam apenas 7 mil em 1600.[8] A bula Sublimis Deus de 1537 divulgada pelo papa Paulo III em que
defende uma evangelização respeitosa e pacífica era “letra morta”,
segundo Henrique Matos.[9]
[1]CUNHA, Manuela Carneiro. História dos índios no Brasil, São Paulo:Cia das
Letras, 1992, p. 12
[2]ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes, São Paulo: Cia das Letras, 2000,
p.128
[3]SILVA, Rafael Freitas. O Rio antes do Rio. Rio de Janeiro: Babilônia, 2016, p. 366
[4]RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 130
[5]RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 165
[6]RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 45
[7]MATOS, Henrique Cristiano José. Caminhando pela história da Igreja, Belo
Horizonte: O lutador, 1995, p. 96
[8]KOK, Gloria. Os vivos e os mortos, São Paulo: Unicamp, 2001, p.129
[9]MATOS, Henrique Cristiano José. Caminhando pela história da Igreja, Belo
Horizonte: O lutador, 1995, p. 113
Nenhum comentário:
Postar um comentário