quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Os engenhos centrais

 

Os engenhos centrais que funcionavam pela força dos cursos d’água chegavam a produzir 10 mil arrobas de cana, produção bem acima da média de 1,7 mil arrobas dos engenhos tradicionais movidos a bois.[1] Frederic Mauro estima em 48 mil cruzados portugueses os custos de um engenho central, soma considerável para a época o que exigia dos fazendeiros que buscassem fontes de financiamento junto a banqueiros e comerciantes.[2] Em 6 de novembro de 1875 a lei n° 2687 regulamentou a adoção dos chamados engenhos centrais de maior produtividade, prevendo um juros de 7% ao ano sobre os capitais investidos, um juros atrativo de modo a estimular a sua adoção. As companhias concessionárias, contudo, ficavam obrigadas a reservar 10% do capital adquirido em um fundo reservado a empréstimos para os plantadores além de que não poderia haver trabalho escravo [3]. Para os latifundiários não agradava a subordinação com o capital financeiro. O amplo debate ocorrido no congresso Agrícola de Recife em 1878 destaca a necessidade de novas medidas governamentais que incentivassem a instalação de engenhos centrais. O Congresso destaca “excetuados os melhoramentos em alguns engenhos, os processos de fabrico de açúcar são os mesmos de duzentos anos atrás” [4]. O engenho central substitui o banguê, ou engenho primitivo caracterizado pela moenda de três tambores. Este engenho primitivo, contudo, irá dominar por séculos os engenhos coloniais. Segundo Gileno de Carli: “é uma paisagem quinhentista transplantada para o século da máquina” [5]. O primeiro engenho central foi inaugurado em 1877 em Quissamã no Rio de Janeiro (na foto), por iniciativa do conde de Araruama [6], com moderno equipamento de fabricação francesa Fives-Lille montado por André Patureau [7], seguido da Usina Barcelos no mesmo Estado em 1882 [8]. Segundo André Rebouças: “é pois evidente que o engenho central é um restaurador energético: é exatamente o elemento de vida, o agente do progresso, de que necessita a lavoura de açúcar da província da Bahia e de todas as províncias em condições análogas” [9]. Em São Paulo a usina Porto Feliz será inaugurada em 1877. Gileno de Carli mostra que a legislação de 1875 estabelecia um amparo financeiro aos fazendeiros que adotassem engenhos centrais e que a expectativa era de que isto levaria a um período de “prosperidade e riqueza”, no entanto, “elocubrações de uma noite quente de verão criaram na imaginação fértil do informante desse período imediatamente anterior à fundação dos engenhos centrais esse quadro tão conformador de progresso e riqueza e de tranquilidade social. Dir-se-ia que os plantadores de cana fluminenses iam entrar numa região de sonho, onde a felicidade seria encontrada. O número fantástico de pedidos de garantia de juros e as parcas realizações denotam que realmente a expectativa dos produtores era otimista e que contavam, os inconformados, fazer uma fortuna rápida e fácil com os engenhos centrais. Havia, naturalmente muito de fantasia, quando chegou a República” [10]. Peter Eisenberg relata que a propaganda da época dizia que 17 engenhos centrais egípcios produziam tanto açúcar quanto todos os 1500 engenhos pernambucanos em 1873, no entanto muitos dos contratos acabaram envolvidos em fraudes com a importação de maquinaria obsoleta e enferrujada [11]. Segundo o Ministro da Agricultura: “a falta de idoneidade de alguns concessionários esterilizou as concessões de que se haviam premunido para especulações puramente mercantis, contudo transferi-las as terceiros, que aptos a inspirar confiança e habilitados pelas suas relações comerciais, conseguissem levantar os capitais necessários”. [12] Entre as razões apontadas para crise dos engenhos centrais no início da República encontra-se a falta de pessoal técnico e o alto custo da matéria prima: “exatamente quando se processava na província do Rio de Janeiro a transformação do engenho colonial em usina, chega a abolição da escravatura. O quadro que então se desenha é alarmante, porque os engenhos param. O mato invade tudo. As lavouras se extinguem [..] Perde-se quase tudo”. Em Minas Gerais somente o Engenho central Rio Branco inaugurado em 1885 obteve sucesso. Cinco empresas britânicas organizadas a partir de 1882 recebem concessões para 32 engenhos centrais em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. Tal otimismo não se confirmou, a Rio de Janeiro Central Sugar Factories construiu apenas um engenho central localizado em Pernambuco com “miserável desempenho”[13], a San Paulo Central Sugar Factory construiu um único engenho em 1884 e empresa foi liquidada dois anos após.



[1]BARSA PLANETA, História do Brasil: primeiros povos brasileiros, descobrimento e colonização, 2009, v.1, p. 262

[2]AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.109

[3]GUIMARÃES, Alberto Passos. A crise agrária, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p.63 In: AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.559

[4]HOLANDA, Sérgio Buarque. O Brasil monárquico: declínio e queda do império, t.II, v.4, São Paulo:Difusão, 1971, p.107

[5]IBGE, Tipos e aspectos do Brasil, Rio de Janeiro:IBGE, 1975, p.154

[6]BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.306

[7]TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX, Rio de Janeiro:Clube de Engenharia, 1994, p.186; HOLANDA, Sérgio Buarque. O Brasil monárquico: declínio e queda do império, t.II, v.4, São Paulo:Difusão, 1971, p.108

[8]GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.231

[9]SANTOS, Sydney. André Rebouças e seu tempo, Rio de Janeiro, 1985, p.289

[10]DI CARLI, Gileno. A evolução do problema canavieiro fluminense. 1942, Rio de Janeiro:Pongetti, p.43  http://www.ppe.ipea.gov.br/pub/meb000000270/evoluodoproblema00deca/evoluodoproblema00deca.pdf

[11]EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco 1840-1910. São Paulo: Unicamp, 1977, p.116

[12]EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco 1840-1910. São Paulo: Unicamp, 1977, p.114

[13]EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco 1840-1910. São Paulo: Unicamp, 1977, p.115



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