quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Ofício de Ourives no Brasil colonial

 

A sociedade urbana em Minas Gerais diversificou-se com o ciclo do ouro, carpinteiros, forjadores, ourives, tecelões, vendeiros, administradores e militares se desenvolveram [1]. Nos ofícios de ourives de ouro e prata o rigor na regulamentação do oficio era maior do que nos demais ofícios. Nestes não se admitiam pretos conforme Alvará Régio de 20 de novembro de 1621. De 1625 a 1881 são registrados como ourives nas irmandades de Salvador apenas dois pardos e um crioulo em 1862. Uma carta dirigida ao juiz de fora da capitania de Pernambuco em 1732 revela que “Sabemos que a ourivesaria brasileira colonial esteve em grande parte nas mãos de mulatos e pretos” e considerava “excessivo o número de oficiais ourives que existiam em Olinda, no Recife e em outros lugares, sendo a maior parte deles mulatos e negros, e ainda escravos, contra a lei, resultando disso gravíssimo dano à república”.[2] Segundo Salomão Vasconcelos o trabalho dos artífices em Vila Rica não possuía qualquer regulamentação até 1725 inexistindo qualquer corporação de artesãos. Com a intensificação da atividade mineradora do ouro, o ofício de ourives passou a ser regulado com maior severidade pela metrópole porque facilitava o descaminho do ouro permitindo fraudar o pagamento do quinto. Já em 1698 a coroa determinou que apenas dois ou três ourives poderiam ter permissão para exercer seu ofício no Rio de Janeiro.[3] Uma lei de 1719 condenava os ourives de São Paulo e MInas que fossem encontrados ao degredo de seis anos na Índia com o confisco de todos os seus bens. [4] O exercício do ofício foi proibido em 31 de julho de 1751 em Minas Gerais que mandava sair da capitania todos os ourives [5], medida ampliada por carta régia de 30 de julho de 1766 para Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro.[6] Neste mesmo ano centenas de ourivesarias foram fechadas.[7] Quem infringisse tais disposições seria degredado para África por toda a vida. Contudo, em 1751 Carta do governador ao intendente de Sabará comunica que, tendo em vista a falta de fundidores na Comarca resolve permitir a permanência do ourives Jorge Ferreira da Silva [8]. Antonio Alvares da Cunha, conde da Cunha (1763 – 1767) e vice rei do Brasil  executou com firmeza a ordem régia lançando na miséria  centenas de famílias e sem conseguir contudo evitar o contrabando.[9] Em 1783 Juan Francisco Aguirre reporta a presença de lapidadores de diamentes e ourives no Rio de Janeiro.[10] Para as casas da moeda e fundições de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e São Paulo admitiam-se apenas mestres de “ilibado caráter”.[11] Na Bahia Gomes Freire de Andrade em laudo de 1751 proibe a existência de ourives no Brasil.[12] No século XVIII o ourives francês Jean Delane chegou a Vila Rica casando-se com a brasileira Maria de Jesus aportuguesando seu nome para João de Lana.[13] Luiz Edmundo relata que com a medida, o consequente fechamento de oficinas de ourives os artífices tiveram de procurar outro ofício de modo que para desamassar a asa de um bule de prata o carioca tinha de enviar o produto para Lisboa.[14] Em 1781 a Irmandade de Santo Eloy, protetora dos ourives e prata, notificou seus irmãos a marcarem suas peças de ouro e prata como prova de sua procedência em meio a tantas falsificações. Entre aos artesãos brasileiros muitos se destacaram como José Teófilo de Jesus, Silvestre de Almeida Lopes, José Patrício da Silva Manso entre outros. O talentoso ourives Manuel Dias de Oliveira fixou-se no Rio de Janeiro em 1763 vindo a desenvolver sua técnica na Real Casa Pia em Lisboa e posteriormente na Academia de São Lucas em Roma, retornando ao Brasil em 1800 como professor régio de desenho no Rio de Janeiro, tornando-se conhecido como “o Brasiliense” em Portugal e “o Romano” no Brasil. [15] A figura mostra página do dicionário “Marcas de Contrastes e Ourives portugueses” que inclui centenas de marcas entre as quais ourives brasileiros sendo as marcas usadas  para indicar a qualidade da prata usada, o contraste e localidade.

[1] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil, São Paulo:Cia das Letras, 1997, p.89

[2]VALLADARES, José Gisella. As artes plásticas no Brasil: Ourivesaria, Rio de Janeiro:Ediouro, 1952, In: ARAUJO, Emanuel. Arte, adorno, design e tecnologia no tempo da escravidão. Secretaria da Cultura de São Paulo, 2013, p.130

[3]CUNHA, Luiz Antonio. Aspectos sociais da aprendizagem de ofícios manufatureiros no Brasil colônia. Forum:Rio de Janeiro, v.2, out/dez 1978, p.41; ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 115

[4]SOUTHEY, Robert. História do Brasil, Brasília: Melhoramentos, 1977, v.3, p. 154; ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 115

[5]JÚNIOR, Caio Prado. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo:Brasiliense, 1986, p.226; MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa, Rio de Janeiro1985, p. 30

[6]JUNIOR, Caio Prado. História econômica do Brasil, São Paulo:Brasiliense, 1979, p.108; SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,1979, p.204; SOUTHEY, Robert. História do Brasil, Brasília: Melhoramentos, 1977, v.3, p. 325

[7]LIMA, Heitor Ferreira. História Político econômica e industrial do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1970, p. 107

[8]TRINDADE, Raimundo. Ourives de Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX. Revista do IPHAN n.12, 1955, p.145

[9]BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.143

[10]LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 261

[11]SOUTHEY, Robert. História do Brazil, Rio de Janeiro:Garnier, 1862, v.I, p.188

[12]BARDI, Pietro. Arte da prata no Brasil, São Paulo: Banco Sudameris, 1979, p. 44

[13]BARDI, Pietro. Arte da prata no Brasil, São Paulo: Banco Sudameris, 1979, p. 46

[14]EDMUNDO, Luiz. O Rio de Janeiro no tempo dos vice reis, Rio de Janeiro:Conquista, 1956, v.3, p.496

[15]PRIORE, Mary del. Histórias da gente brasileira, Vol. 1 Colônia. Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 105



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