segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Maçonaria e catedrais

 

Elias Barreto indica Erwin von Steinback, arquiteto da catedral de Estrasburgo, como fundador em 1275 da primeira confraria de pedreiros leigos, separando-os das confrarias religiosas, o que levaria a denominação de pedreiros livres.[1] Um dos membros dessas associações chamada “Dever de Liberdade” afirma seu compromisso: “Juro e prometo guardar fielmente e para sempre os segredos dos companheiros de Liberdade, deste Dever e de sua companhia; prometo nunca escrever nada, nem uma palavra, sobre qualquer coisa que possa revelá-los aos profanos. Preferiria e mereceria ser degolado, meu corpo queimado, minhas cinzas atiradas aos ventos, se fosse tão covarde em revela-los; prometo quebrar a cara de quem perjure; que o mesmo aconteça seu o fizer”.[2] Jacques le Goff, contudo aponta que a reivindicação da existência de tais segredos da construção de catedrais é tardia e aparece apenas no século XVIII entre os francomaçons.[3] Frances Yates argumenta que a maçonaria enquanto instituição apareceu na Inglaterra em meados do século XVII.[4] Serge Hutin observa que originalmente o termo franc maçon se referia ao trabalho em pedra livre free stone mason  em oposição aos que trabalhavam com pedras duras, sendo todos cristãos e filhos devotados da Igreja. Jean Gimpel observa que o termo franc maçon era desconhecido na idade medieval sendo uma criação do século XVIII. Segundo René Guénon os documentos que provam a origem católica da corporação de pedreiros foi destruída pelos pastores James Anderson e Jean Theophile Désagulliers que redigiram as Constituições da Grande Loja da Inglaterra em 1723.[5] Os maçons operativos eram predominantemente católicos na Inglaterra até a reforma protestante no século XVI de modo que as Constituições de Anderson de 1723 e 1738 omitiram sua origem católica para escapar a perseguição dos protestantes [6]. Desagulliers era aristocrata grão mestre da maçonaria e membro da Royal Society sendo divulgador da mecânica newtoniana tendo convencido muitos membros da Academia a ingressar na Royal Society. [7] Desaguliers teve um papel importante na criação em 1731 na Loja de Haia, a primeira loja maçônica for da Grã Bretanha. Em 1707 um manual de maçonaria indicava o compromisso dos membros: “Eu faço voto e prometo não divulgar nem participar a ninguém a saudação dos pedreiros, assim como o seu toque (aperto de mão)”. Os sinais de reconhecimento haviam sido introduzidos para evitar a entrada na corporação de oficio de pessoas não agremiadas [8]. Para Leon Shelby as corporações de pedreiros medievais  mantinham segredo de suas técnicas usadas em obras em arquitetura, como por exemplo a composição exata usada nas argamassas, o modo de reconhecer pedreiras ou tipo de pedras apropriadas para construções. O maçom Leadbeater argumenta que desta forma conseguiam manter seus conhecimentos espirituais em segredo associando-os com técnicas de construção de modo a fugir a perseguição da igreja católica [9]. Robert Fossier argumenta contudo que o fato de não conhecermos a composição de tais argamassas não pode ser usado como prova de que fossem mantidas em segredo [10]. Não se tratava de manter a identidade de tais pedreiros oculta como na moderna sociedade secreta da maçonaria do século XVIII: “os construtores das catedrais da França ou da Inglaterra jamais precisariam de apertos de mão ou de sinais secretos para se reconhecerem”. [11]  Robert Fossier observa que as marcas encontradas nas pedras são um tipo de assinatura “mas cuja eventual dimensão jurídica não sabemos bem”.[12]

[1] BARRETO, Elias. Enciclopedia das grandes invenções e descobertas, São Paulo: Cascono Editores, 1971, p. 219

[2] LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro:Fundo de Cultura, 1961, p. 243

[3] GOFF, Jacques. A idade média explicada aos meus filhos, Rio de Janeiro:Agir, 2007, p. 48

[4] YATES, Frances. Giordano Bruno e a tradição hermética, São Paulo:Cultrix, 1995, p.304

[5] NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.203

[6] SILVA, Hailton Meira da. Cultura Geral maçônica, Rio de Janeiro:Menthor, 2009, p.144

[7] SOARES, Luiz Carlos. John Theophilus desagulliers: a newtonian between the patronage and the Market relations. Revista Brasileira de História das Ciências, Rio de Janeiro, v.2, n.1, p.82-95, jan/jun 2009

[8] BARRETO, Elias. Enciclopedia das grandes invenções e descobertas, São Paulo: Cascono Editores, 1971, p. 219

[9] LEADBEATER, C. Pequena história da maçonaria, Rio de Janeiro: Pensamento, 1968, p. 145

[10] FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 169

[11] SHELBY, Leon. The geometrical knowledge of mediaeval master masons, Speculum, v.47, p.395-421. Cf. NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.216

[12] FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 166



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