quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Agostinho e a ciência

 

Santo Agostinho no século IV já valorizava as virtudes do trabalho humano “industria humana”, ao invés de ser visto como uma punição pela queda do homem no Éden. Na obra De opere Monachorum, Agostinho impõe aos seus monges o preceito do trabalho[1]. Agostinho, contudo, destaca o papel meramente operacional de tais artes mecânicas, como instrumentos para ação divina, de modo que basta um conhecimento perfunctório de tais técnicas “a não ser que o dever nos obrigue ainda mais”.[2] Agostinho argumenta em Enchridion que o cristão não precisa ficar desolado por ser ignorante em ciência [3]: “Quando nos perguntam em que acreditamos  em matéria de religião, não é necessário provar a natureza das coisas, como foi feito por aqueles a quem os gregos chama de físico, nem precisamos ficar alarmados pelo fato de os cristão ignorarem  a força e o número  dos elementos, o movimento, a ordem, os eclipses dos corpos celestes, a forma do ceu, as espécies e a natureza dos animais, plantas, pedras, fontes, rios, montanhas; a cronologia  e as distâncias; os sinais de tempestades vindouras e milhares de outras  coisas que esses filósofos ou descobriram ou pensaram que tinham descoberto [...] É suficiente que os cristão acreditem que a única causa de todas as coisas criadas, sejam celestes ou terrenas, visíveis ou invisíveis , é a bondade do Criador, o único Deus verdadeiro. Nada existe, a a não ser ele próprio”.[4] Para Agostinho "Crede ut intellegas, intellege ut credas", ou seja: "Crê para que a fé ajude o intelecto a entender; entender, para que o intelecto procure a fé" (De Lib. Arb. II, 2, 6).[5] No Comentário literal ao Genesis Agostinho se utiliza por diversas vezes de argumentos da filosofia natural ao tratar de raios, fases da lua, o que mostra que entendia a ciência de sua época à serviço da fé. Em Confissões ele descarta o interesse gratuito pela ciência desconectado de um objetivo teológico, tal conhecimento guiado pela busca de novos conhecimentos desvia o home da fé e deve ser repudiado: “por causa desta doença da curiosidade homens passam a investigar o fenômeno da natureza apesar deste conhecimento não ser de nenhum valor para eles, pois desejam conhecer simplesmente pelo conhecimento”.[6] O argumento de Agostinho remonta ao de o bispo de Cartago Tertuliano (160-240) ao criticar o conhecimento de do grego Tales: “Agora por favor me digam, que sabedoria há nesta busca por especulação de uma conjectura ? Que prova nos é dada pela artificialidade inútil de uma curiosidade minuciosa, que é persuadida com uma mostra de linguagem artística ? Isso serviu bem a Tales de Mileto quando, olhando para as estrelas enquanto andava teve a mortificação de cair em um poço. Sua queda, portanto, é uma imagem figurativa dos filósofos; digo, daqueles que persistem em aplicar seus estudos a um propósito vão, visto que desfrutam de uma curiosidade estúpida sobre objetos naturais”.[7] Basílio de Cesareia (330-379) critica os filósofos e astrônomos “que intencionalmente e voluntariamente se cegaram para o conhecimento da verdade. Descobriram tudo, exceto uma coisa: não descobriram o fato de que Deus é o criador do universo”.



[1]NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.129

[2]NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na antiguidade cristã, São Paulo:Edusp, 1978, p. 209

[3]LINDBERG, David. Mito 1: que a ascensão do cristianismo foi responsável pelo fim da ciência antiga. In: NUMBERS, Ronald. Terra plana, Galileu na prisão e outros mitos sobre a ciência e religião, Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020, p. 32

[4]CURY, Fernanda. Copérnico e a revolução da astronomia, São Paulo:Odysseus, 2003, p. 79

[5]Costa, M. R. N. (1998). CONHECIMENTO, CIÊNCIA E VERDADE EM SANTO AGOSTINHO. Veritas ,Porto Alegre, 43(3), p.483-496. https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/35423/18582

[6]LINDBERG, David. Mito 1: que a ascensão do cristianismo foi responsável pelo fim da ciência antiga. In: NUMBERS, Ronald. Terra plana, Galileu na prisão e outros mitos sobre a ciência e religião, Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020, p. 33

[7]LINDBERG, David. Mito 1: que a ascensão do cristianismo foi responsável pelo fim da ciência antiga. In: NUMBERS, Ronald. Terra plana, Galileu na prisão e outros mitos sobre a ciência e religião, Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020, p. 30



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