segunda-feira, 5 de outubro de 2020

O feiticeiro de Trois Frères

 

Na gruta de Trois Frères (Três irmãos), com entrada de corredores estreitos, é encontrada uma imagem de um ser metade humano metade animal que pode ser a representação de um feiticeiro[1] datada de 13 mil a.c [2]. Seu olhar frontal contrasta com os demais animais sempre representados de perfil. A pintura reproduzida, no entanto, tem recebido muitas críticas por ser uma reprodução imprecisa do original feita por Henri Breuil, especialmente pela ausência dos chifres. Louis Leakey observa que a figura representada em pintura e gravação mostra os chifres de um veado, o rosto de uma coruja e as orelhas de um lobo, a perna dianteira de um urso e um rabo de cavalo [3]. Na gruta Cap Blanc, próxima a Les Eyzies na França junto com a arte rupestre nas cavernas com representação de bisões, cavalos e renas foi encontrada o esqueleto de uma mulher de 13 mil a.c. cerimonialmente enterrada, o que por certo, deveria representar um lugar de culto para a comunidade. A ideia e um recinto sagrado onde se pudesse cuidar dos mortos desenvolveu um sentimento de “amor ao lar” (oikophilia) estabelecendo laços de pertencimento e contribuindo para sedentarização do homem.[4] Para Lewis Mumford os ritos nas cavernas demonstram os mesmos impulsos sociais que levarão aos homens a se reunir em cidades: “onde todos os sentimentos originais de medo, reverência, orgulho e alegria seriam ainda mais ampliados pela arte e multiplicados pelo número de participantes capazes de responder”.[5] Lewis Mumford mostra que a caverna paleolítica, a pirâmide, o zigurate, a cripta cristã todos tem a função de intensificar a experiência emocional: “como a sepultura, a caverna é um útero ao qual o homem primitivo regressa em busca de segurança e sigilo”.[6]  Para René Girard: “Não existe cultura sem túmulo e tampouco túmulo sem cultura; no limite, o túmulo é o primeiro e único símbolo cultural. É a primeira pirâmide”.[7] Para Mauricio Righi o fato dos recessos mais profundos das cavernas cobertos pela completa escuridão terem sido escolhidos pelo homem primitivo para suas pinturas mostra que tais pinturas compunham um contexto de xamanismo paleolítico de interação com o mundo espiritual onde provavelmente as comunidades encenavam danças cúlticas, celebravam encontros cerimoniais e executavam ritos de sangue.[8] Johannes Maringer observa que a figura humana nas cavernas do paleolítico é representada usando máscaras de animais usualmente diante do medo que o homem primitivo tinha de ser vítima de sua própria magia.[9]

[1]SKLENAR, Karel. La vie dans la préhistoire, Praga:Grund, 1991, p.104; LEAKEY, Richard. A evolução da humanidade, Brasília: UNB, 1981, p. 176; SHAPIRO, Harry. Homem, cultura e sociedade, Lisboa: Fundo de Cultura, 1972, p. 104

[2]https://en.wikipedia.org/wiki/The_Sorcerer_(cave_art)

[3]LEAKEY, Louis. Graphic and plastic arts. In: SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, Oxford Clarendon Press, v.I, 1958, p. 151

[4]RIGHI, Mauricio. Pré História & História, São Paulo:É Realizações, 2017, p. 70

[5]MUMFORD, Lewis. A cidade na história, São Paulo:Martins Fontes, 1982, p. 14

[6]MUMFORD, Lewis. A cidade na história, São Paulo:Martins Fontes, 1982, p. 134 Figura 1

[7]RIGHI, Mauricio. Pré História & História, São Paulo:É Realizações, 2017, p. 74

[8]RIGHI, Mauricio. Pré História & História, São Paulo:É Realizações, 2017, p. 297

[9]ROSS, Norman. The epic of man, Life Magazine, 1962, p. 32



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