terça-feira, 29 de setembro de 2020

Terra plana de Cosmas

 

Segundo Jó 26: 10 Deus “Marcou um limite sobre a superfície das águas em redor, até aos confins da luz e das trevas”. Segundo Amós 9:6  “Ele é o que edifica as suas câmaras superiores no céu, e fundou na Terra a Sua abóbada, e o que chama as águas do mar, e as derrama sobre a Terra; o Senhor é o Seu nome”. Em Lucas 4:5 o diabo leva Jesus a um monte onde pode lhe mostrar todos os reinos do mundo o que pressupõe a existência de uma terra plana.  Para Lactâncio (250-325) em Instituições Divinas seria ridículo imaginar imaginar uma terra esférica em que na outra face da Terra a chuva caísse de baixo para cima, ou que existisse uma raça humana vivendo de ponta-cabeça. Lactâncio considerava o estudo de astronomia como algo mal e sem sentido[1]. O bispo de Milão no século IV Ambrósio condenava como ímpias ciências como a geometria e astronomia pois revelam a soberba humana: “Nem sequer conhecemos os segredos do Imperador e pretendemos conhecer os de Deus” [2]. O monge grego Cosmes / Cosmas / Kosmas  Indicopleustes (que significa “viajante indiano”) em 550 escreveu a obra Topografia Cristã, em que defende a tese da terra plana [3], como um paralelogramo envolto em muralhas[4]. Seguindo a descrição da Epístola aos Hebreus (9: 1-3) conclui que a terra tinha a forma de um tabernáculo. A escola católica de Antioquia, com Diodoro bispo de Tarso (378), Teodoro de Mopsuestia (350-428) e João Crisóstomo (345-407) baseada numa interpretação literal das escrituras,  procurando se desvencilhar das teorias pagãs, defendeu a tese de terra plana. João Crisóstomo em  Homiliae XXXIV in Epistolam ad Hebraeos se refere a terra como o tabernáculo e assim se refere Severianus de Gabala em sua Homilia ao Genesis (408) mencionadas por Cosmas Indicopleustes em sua Topografia cristã. Por outro lado, Basilio de Caesarea (329-379) alinhado com as teses de Orígenes, numa interpretação mais alegórica da Bíblia e mais flexível em relação às influências pagãs gregas, irá defender a esfericidade da terra.[5] O monge inglês Beda (673-735) um dos que popularizaram o uso do sistema do Anno Domini em 725 com sua obra De Temporum Ratione [6] foi o primeiro eclesiástico medieval a defender a esfericidade da Terra: “A causa do comprimento desigual dos dias é a forma globular da terra, pois não é sem razão que as Sagradas Escrituras e letras seculares falarem da forma da Terra como uma esfera, pois é um fato que a terra é colocada no centro do universo, não só em latitude, uma vez que eram redondos como um escudo, mas também em todas as direções, como uma bola de brinquedo, não importa o caminho que ele está ligado”.[7] Por outro lado, para Beda, contemporâneo de Cosmas: “A Terra é um elemento colocado no meio do mundo. Como a gema no meio de um ovo; à sua volta há a água, como a clara rodeando a gema; fora fica o ar, como a membrana do ovo; e a toda a sua volta fica o fogo, que o fecha como a casca ao ovo”. [8]



[1]CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 283

[2]ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 146

[3]TATON, René. A ciência antiga e medieval, tomo I, livro 2, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 197

[4]TATON, René. A ciência antiga e medieval: a idade Média, tomo I, livro 3, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 80

[5]Nothaft, C. Augustine and the Shape of the Earth: A Critique of Leo Ferrari, Augustinian Studies 42:1 (2011) p.33-48

[6]LACEY, Robert. O ano 1000: a vida no final do primeiro milênio, Rio de Janeiro: Campus,1999, p.22

[7]CURY, Fernanda. Copérnico e a revolução da astronomia, São Paulo:Odysseus, 2003, p. 26

[8]BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.97



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