sábado, 5 de setembro de 2020

Moinhos e monopólios

 

Karl Marx observa que a história da maquinaria remonta os moinhos d’água usados no Império Romano de modo que o termo para fábrica em inglês no século XIX ainda era conhecido como mill (moinho).[1] No fim do século I os engenheiros romanos conseguiram sextuplicar o rendimento dos moinhos hidráulicos, algo equivalente a 3 cavalos. Vitrúvio descreve tais moinhos e mostra o aperfeiçoamento proporcionado pela substituição das primitivas rodas horizontais por rodas verticais com uma engrenagem que ligava o eixo horizontal das rodas ao eixo vertical das mós[2]. Uma roda tinha palhetas fixadas ao eixo horizontal de uma roda dentada, ligada a uma roda menor, esta ligada ao fuso portador da mó. Moinhos encontrados ao leste de Monte Cassino podiam triturar 150 quilos de trigo por hora, ou seja, 1500 quilos numa jornada de 10 horas diárias trabalho equivalente ao realizado por 40 escravos usando o moinho braçal.[3] Jean Gimpel se refere a tais moinhos como “o maior complexo industrial do império romano de que se tem notícia”[4]. Uma construção romana em Provença tinha capacidade para moer trigo para 80 mil pessoas ou cerca de 28 toneladas numa jornada de 10 horas. No século IV o moinho de Barbegal na França, que transportava a água das montanhas de Alpilles até a cidade romana de Arles[5], consistia de um mecanismo projetado pelos romanos em duas séries de oito rodas hidráulicas dispostas numa ladeira para construção de moinhos de farinha com capacidade de produção de 28 toneladas de farinha em um dia de 10 horas, o suficiente para o consumo de 80 mil pessoas.[6] Charles Parain argumenta que Barbegal mostra o interesse pela técnica dos moinhos d’água depois de séculos de desenvolvimento lento durante o império romano. Este interesse surge pelo declínio da escravidão e ascenção do colonato, formação de grandes aglomerados humanos que demandavam maior consumo de farinha, e pelo interesse de exploração por monopólio dos moinhos d’água por parte dos senhores proprietários de grandes extensões de terras pois os moinhos exigiam a canalização dos rios por longas distâncias bem como construção de barragens para regularização de seu fluxo, controlando cheias e vazantes.[7] Tales de Mileto alugou todos os lagares das cidades de Mileto e Chio tendo pago pouco pelo aluguel porque porque ninguém oferecera preço melhor e ele dera algum adiantamento, segundo testemunho de Aristóteles em A política. Com isso Tales faturou um bom dinheiro cobrando dos produtores de azeitona um preço elevado e conseguindo grande fortuna na operação. Aristóteles conclui: “Em geral, o monopólio é um meio rápido de fazer fortuna. Assim, algumas cidades, quando precisam de dinheiro, usam desse recurso. Reservam-se a si mesmas a faculdade de vender certas mercadorias e, por conseguinte, de fixar seus preços como querem [...] É bom que os que governam os Estados conheçam esse recurso, pois é preciso dinheiro para as despesas públicas e para as despesas domésticas, e o Estado está menos do que ninguém em condições de dispensá-lo”.

 


[1]MARX, Karl. O capital, livro I: o processo de produção do capital,São Paulo:Boitempo, 2013, p.422

[2]LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 182

[3]GIMPEL, Jean. A revolução industrial da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1977, p.15

[4]READERS'S DIGEST. Da idade do ferro à idade das trevas: de 1200 a.c. a 1000 d.c, Rio de Janeiro, 2010, p.108

[5]MOSLEY, Michael.Uma história da ciência. Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 146; FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 103

[6]O’BRIEN, Robert. As máquinas. Rio de Janeiro:Time Life, José Olympio, 1965, p.31; GILLE, Bertrand. O moinho d’água uma revolução técnica medieval. In: GAMA, Ruy. História da técnica e da tecnologia, São Paulo:Edusp, 1985, p. 121; SAGUI, C. Os moinhos de Barbegal. In: GAMA, Ruy, História da técnica e da tecnologia, São Paulo:Edusp, 1985, p. 142; KLEMM, Friedrich, A history of western technology, London:Ruskin House, 1959, p. 52; CORNELL, Tim; MATTHEWS, John. Roma: legado de um império, v. II, Lisboa:Edições del Prado, 1996, p. 185

[7]PARAIN, Charles. Relações de produção e desenvolvimento das forças produtivas: o exemplo do moinho d’água. In: GAMA, Ruy. História da técnica e da tecnologia, São Paulo:Edusp. 1985,p.160, 164



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