Xamãs
africanos descobriam o poder curativo de plantas associando a sua forma e cor
com a doença ou parte do corpo enferma, assim sementes com a forma de dedos e
raízes parecidas com cabelos sugerirão o seu uso para tratar de dedos com infecções
ao redor das unhas.[1] Cassiodoro no século VI relata que o fundamento da arte de curar residia não
somente no princípio ativo presentes nas plantas medicinais mas nas
repercussões que as plantas produziam no imaginário.[2] Roger
Bacon praticante de alquimia acreditava na doutrina das assinaturas (Opus Tertium cap. 27), segundo a qual a
forma e a cor das flores e folhas correspondiam a uma finalidade especial
definida pelo Criador.[3] Miguel
Escoto, filósofo do século XIII, astrólogo na Corte de Frederico II[4] e introdutor
de Averrois ou Ibn Rushd no Ocidente, em seu livro Physionomia aceitava a doutrina de assinaturas.[5] Esta
doutrina da signatura plantarum era
defendida por Paracelso na busca de medicamentos nas plantas[6]. Para
Paracelso: “tudo quanto é criado pela
natureza é por ela configurado de acordo com a essência da virtude que lhe é
inerente”.[7] Segundo a doutrina das assinaturas “A
natureza marca cada crescimento de acordo com o seu benefício curativo”. Jakob
Bohme (1575-1624) publicou Signatura Rerum (A assinatura de todas as
coisas) em que apresenta a doutrina das assinaturas. Por exemplo, uma
orquídea que se assemelhava a um testículo era um sinal de que poderia ser
usada no combate a doenças venéreas [8], as
folhas de lilás tem uma forma similar ao coração o que indica sua eficácia no
tratamento de doenças cardíacas [9], uma
planta de folhas amarelas poderia ser usada em doenças do fígado. Plínio
refere-se ao princípio de que o semelhante cura o semelhante e paradoxalmente a
causa de uma doença representa sua cura, assim utiliza-se partes de um cachorro
louco para curar sua mordida, a mordida de um phalangium pode ser curada meramente ao se olhar para outro inseto
daquela espécie, estivesse ele vivo ou morto, pedras nos rins podem ser
quebradas pela administração de ervas que se assemelham a pérolas, o ophites um mármore com estrias na forma
de uma serpentina é usado como amuleto contra mordida de cobra; ervas com
folhas no formato dos órgãos sexuais são usadas como afrodisíacos.[10] O
tomate rico em potássio e ferro é benéfico ao coração e é rico em licopeno que
ajuda a limpar as artérias, a noz rica em ácidos graxos faz bem ao cérebro[11], a romã que se parece com o ovário dos mamíferos de fato produz hormônios benéficos ao
organismo, o abacate que exige nove meses desde o florescer até se transformar
em fruto evita as chances de câncer de útero ou ovário, o gengibre faz bem ao
estômago, a cenoura faz bem aos olhos e os cogumelos ao ouvidos, as folhas em
forma de coração da dedaleira roxa eram usadas
como medicamento para o coração (digitalis), as veias roxas e pontinhos
amarelos da eufrásia que pareciam com um olho não saudável eram usados como
remédio para doenças no olho, a mandrágora devido à sua semelhança à forma
humana recebia poderes humanos era associada à bruxaria[12]. Claude
Levi Strauss mostra que diferentes culturas como o México e Filipinas chegaram
a mesma conclusão quanto a aplicação de determinadas plantas medicinais, por
segurem processos paralelos de investigação. Baseado neste princípio de que “igual cura o igual”[13] plantas
cujas folhas ou talos tem sabor amargo acabam sendo testadas contra dores no
estômago, ou seja, a identificação de um padrão comum com uma experiência bem
sucedida levou os indígenas a buscar novos tipos de plantas de sabores
similares para outras aplicações, ou seja, sabor, forma ou outra característica
são fundamentais para esse processo empírico de investigação, o que destaca a
importância da seleção e classificação de tais plantas como encontrado nestes
mesmos grupos indígenas.[14] Para
Claude Levi Strauss: “o homem da era
neolítica ou da proto história é, portanto, o herdeiro de uma longa tradição
científica”.[15]
[1]TERESI, Dick.
Descobertas perdidas, São Paulo:Cia das Letras, 2008, p.288
[2]POUCHELLE, Marie-Christine. Medicina. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT,
Jean Claude. Dicionário
analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 181
[3]SEDGWICK, W.; TYLER, H;
BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do
século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.182
[4]THORNDIKE, Lynn. A History of magic and experimental science, v.II,
Columbia University Press, 1923, p.309; LYONS, Jonathan. A casa da sabedoria, Rio
de Janeiro: Zahar, 2011, p.200; TATON, René. A ciência antiga e medieval: a
Idade Média, tomo I, v.III, São Paulo:Difusão, 1959, p. 115
[5]THORNDIKE, Lynn. The place of magic in the intellectual history of Europe.
Columbia
University Press, 1905, p.17
[6]DELUMEAU, Jean. A
civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.II, p.136
[7]MANGOLD, Lydia Mez.
Imagens da história dos medicamentos, Basileia:Hoffman La Roche, 1971, p.114
[8]STRATHERN, Paul. O
sonho de Mendeleiev: a verdadeira história da química, Rio de Janeiro:Zahar,
2002, p.77; BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização
Brasileira, 1989, p.316
[9]FARIAS, Robson
Fernandes. Paracelsus e a alquimia medicinal, São Paulo: Gaia, 2006, p.58
[10]THORNDIKE, Lynn. A History of magic and experimental science, v.I,
Columbia University Press, 1923, p.86, 94
[11]http://www.greenmedinfo.com/blog/why-walnut-resembles-brain-it-nourishes
[12]AIREY, Raje; O’CONNELL, Mark.
Almanaque ilustrado dos símbolos, São Paulo:Escala, 2010, p. 172
[13]SHAPIRO, Harry. Homem,
cultura e sociedade, Lisboa: Fundo de Cultura, 1972, p. 235
[14]STRAUSS, Claude Lévi. O
pensamento selvagem. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1970, p. 35
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