domingo, 20 de setembro de 2020

A cama de Gonçalo

 

Fernão Cardim no século XVI escreve que “as comodidades das casas não são muitas por serem as mais delas de taipa e palha, ainda que já se vão fazendo edifícios de pedra, cal e telha”[1].  Pero de Magalhães Gandavo em Tratado da Terra do Brasil que remete a fatos anteriores a 1575 constata que “a maior parte da camas do Brasil são redes”. Sérgio Buarque de Holanda destaca terem sido raras as camas nos primeiros séculos de colonização, sendo mais comum o uso de redes para dormir.[2] Taunay descreve o mobiliário do período colonial como “toscos bancos e catres, mesas e escabelos como mobília, rudes arcas mal ajustadas, onde se guardava a pouca roupa da família, pois sobremodo escasseava pano”. As camas eram poucos comuns sendo muito mais comum o uso da rede. Na Vila de São Paulo em 1620 a única cama existente foi requisitada e tomada a força de seu proprietário Gonçalo Pires pela Câmara local para ser oferecida ao Ouvidor Geral da Repartição Sul, Amâncio Rebêlo Coelho, em visita a correição. O caso foi alvo de demanda judicial por sete anos em que o proprietário exigia reparação pelos danos.[3] A história relatada por Alcântara Machado em Vida e Morte do Bandeirante (1929), mostra quão escasso eram os itens de mobiliário nas residências. Dampier em 1699 refere-se a escassez de mobiliário: “isto é coisa de que os portugueses e espanhóis não se ocupam [...] Verifiquei que em suas fazendas querem grandes casas, mas descuidam inteiramente do mobiliário”.[4] Taunay se refere a “toscos bancos e catres, mesas e escabelos como mobília, rudes arcas mal ajustadas, onde se guardava a pouca roupa da família, pois sobremodo escasseava pano”. [5] O capitão mor e padre Guilherme Pompeu de Almeida, banqueiro dos bandeirantes e comerciante de prata, um dos homens mais ricos de São Paulo no século XVII tinha em sua casa “camas de alto espaldar, ostentando colchões estofados e travesseiros macios, dignos do mais requintado sibarita”.[6]  O inconfidente Claudio Manuel da Costa, um alto funcionário público, teve confiscados em 1789 seu mobiliário que incluía vinte e oito cadeira, trinta e dois bancos, dois leitos, duas cômodas, dois armários, duas estantes, móveis de jacarandá entre outras peças.[7]



[1]PINHO, Wandereley. Mobiliário, vestuário, joias e alfaias dos tempos coloniais, Revista do IPHAN, n° 4, 1940, p.251

[2]FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos, São Paulo:Record, 1998, p. 381

[3]LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961, p. 144, 224

[4]LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961, p. 223

[5]LIMA, Heitor Ferreira. História Político econômica e industrial do Brasil, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1970, p. 90

[6]LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961, p. 226

[7]LIMA, Heitor Ferreira. Formação industrial do Brasil, Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961, p. 227

Ilustração de Belmonte


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