quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Poliedros de Platão

 

Pela teoria de poliedros formulada por Platão e exposta no Teeteto os elementos últimos da matéria são corpos simples na forma de poliedros regulares. Desses sólidos Platão considera apenas suas superfícies como triângulos elementares. O tetraedro é a forma elementar do fogo, o octaedro do ar, o icosaedro da água, o cubo da terra[1]. Dois corpúsculos de fogo poderão dar origem a um corpúsculo de ar (Timeu 56d). A água, por sua vez, dotada de um poliedro de 20 triângulos pode dar origem a um corpúsculo de fogo (4 triângulos) e dois de ar (8 triângulos cada)[2]. Aristóteles rejeita a teria dos poliedros uma vez que entre os poliedros regulares o encaixe entre os poliedros nem sempre é perfeito restando alguns espaços vazios, o que não seria possível devido a impossibilidade de se constituir vácuo.[3] Douglas Jerolmack mostra que ao partir de uma forma poliédrica tridimensional e fatiarmos aleatoriamente em dois fragmentos e, em seguida, cortar esses fragmentos repetidamente, obteremos um grande número de formas poliédricas diferentes, por´me na média, a forma resultante dos fragmentos será um cubo. As rochas ao partirem-se tendem naturalmente à forma cúbica: "O interessante aqui é que o que encontramos nas rochas, ou terra, é que existe mais do que uma linhagem conceitual de volta a Platão. Acontece que a concepção de Platão sobre o elemento terra sendo composta de cubos é, literalmente, o modelo estatístico médio para a terra real. E isso é simplesmente alucinante"[4]

Para Platão o fogo é representado por um tetraedro, o ar por um octaedro, a água por um icosaedro e a terra por um cubo[5], o éter como dodecaedro tal como exposto no Timeu: “Quando Deus começou a ordenar o universo, o fogo, a terá, o ar e a água, antes de tudo dotou-os de formas e de números”.[6] Eva Sachs demonstra que os pitagóricos só conheciam três destes poliedros (cubo, pirâmide e dodecaedro) de modo que não procede o argumento de que a relação com os cinco poliedros remonta Pitágoras, que é uma construção posterior  a Filolau e deve-se a Teetetos.[7] Para Platão a essência de uma coisa não são alcançadas pelas suas qualidades sensíveis, mas pela forma geométrica que ela esconde de nossos sentidos, forma que esta que é eterna, invariável e independente de qualquer transformação ou deformação que os corpos materiais possam sofrer. A natureza pode ser lida e compreendida a partir de uma linguagem puramente matemática.[8] Na Dialética Platão explica a matemática, contudo, apreende apenas uma parte da essência das coisas, pois caberá a dialética será capaz de compreender a inteira essência de cada coisa levando em conta uma perspectiva teleológica[9]. A pirâmide ou tetraedro, por apresentar várias pontas agudas e possuir menor superfície, tem natureza mais móbil e cortante e é atribuída ao fogo. O cubo, por ter a base mais ampla e ser o mais estável e mais plástico dos sólidos, é atribuído à terra, “visto ser a mais imóvel das quatro espécies de corpo”. A água e o ar encontram-se, em termos de mobilidade e de peso, entre a terra e o fogo (a forma mais móvel e aguda e por isso atribuído à pirâmide), sendo a água menos móvel e mais pesada do que o ar. Assim, o octaedro é atribuído ao ar, por ser uma figura mais leve e penetrante que o icosaedro, o qual foi atribuído à água.[10] Platão no Timeu, considerada por Charles Singer como a obra mais influente da antiguidade[11] e por Marco Zingano como o tratado de física e química da Antiguidade[12], irá desenvolver esse conceito prevendo a possibilidade de transubstanciação podendo o ar transformar-se em dois corpúsculos de fogo. Por um período na alta Idade Média a obra mais conhecida de Platão em sua tradução latina era o Timeu, o que segundo Bernard Williams pode explicar o aspecto místico com que Platão foi assimilado[13]. Paul Kraus demonstrou que o Timeu inspirou boa parte da alquimia árabe[14]. Bertrand Russell destaca que os triângulos básicos de Platão são as contrapartes das partículas nucleares da físca moderna.[15]



[1]TATON, René. A ciência antiga e medieval, tomo I, livro 2, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 54

[2]LAFONT, Olivier. A química. In: COTARDIÈRE, Philippe. História das ciências: da antiguidade aos nossos dias, Rio de Janeiro:Saraiva, 2011, p.130

[3]TATON, René. A ciência antiga e medieval, tomo I, livro 2, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 65; MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 41

[4]Plato’s cube and the natural geometry of fragmentation, Gábor Domokos, Douglas J. Jerolmack, Ferenc Kun, János Török, Proceedings of the National Academy of Sciences. https://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=platao-estava-certo-terra-feita-cubos

[5]THORNDIKE, Lynn. The place of magic in the intellectual history of Europe. Columbia University Press, 1905, p.60; ZINGANO, Marco. Platão & Aristóteles: o fascínio da filosofia, São Paulo:Odysseus Editora, 2002, p.39

[6]MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo v.I. São Paulo:Mestre Jou, 1964, p.238

[7]MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: v.I , São Paulo: Mestre Jou, 1964, p. 67

[8]ZINGANO, Marco. Platão & Aristóteles: o fascínio da filosofia, São Paulo:Odysseus Editora, 2002, p.40

[9]ZINGANO, Marco. Platão & Aristóteles: o fascínio da filosofia, São Paulo:Odysseus Editora, 2002, p.42

[10]MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo v.I. São Paulo:Mestre Jou, 1964, p.248

[11]SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.67

[12]ZINGANO, Marco. Platão & Aristóteles: o fascínio da filosofia, São Paulo:Odysseus Editora, 2002, p.15

[13]WILLIAMS, Bernard. Filosofia, In: MOSES, Finlay. O legado da Grécia, Brasília: UNB, 1998, p.238; LLOYD, G. Ciência e matemática In: FINLEY, Moses. O legado da Grécia. Brasília: UNB, 1998, p. 318

[14]KOYRE, Alexandre. Estudos de história do pensamento científico. Brasília:Forense,1982, p.29

[15]RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental, Rio de Janeiro:Nova Fronteira,2016, p.120


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