quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Horror ao vácuo

 

Aristóteles partindo-se do fato que a água sempre encontra seu nível, o ar se espalha pelo espaço, as chamas do fogo sempre queimam para cima e as coisas sempre caem no chão, desenvolveu sua teoria de que tudo tinha seu lugar natural [1]. No Fédon Platão explica que “Se a terra redonda está colocada no centro do ceu não tem necessidade de ar nem de outra força coerciva para não cair, basta, porém, para sustenta-la a igualdade do ceu em todas as partes e o equilíbrio da própria terra, pois uma coisa equilibrada, colocada no meio da outra absolutamente igual não terá razão para inclinar-se mais ou menos para qualquer lado, mas, achando-se em condições de igualdade permanecerá sem inclinação”. [2] Teofastro conta que Platão já velho arrependeu-se de ter colocado a terra no centro do universo “um lugar não conveniente”. Os corpos terrestres tinham como lugar natural o centro da terra e quanto mais terra o corpo tivesse mais ele tenderia ao centro da terra, assim os corpos mais pesados caíam mais rápido que os mais leves. A água tinha como lugar natural a superfície da Terra. Assim se tentássemos colocar um saco de ar embaixo da água, ele tenderia a subir para seu lugar natural na superfície. Acreditava-se que a água sobre a água não tinha peso pois já se encontrava em seu lugar natural.[3] O lugar natural do ar era em torno da Terra cobrindo-a como um cobertor, enquanto o lugar natural do fogo ficava acima de nossas cabeças.[4] Por conseguinte, um corpo colocado no vácuo não saberia para onde ir pois no vácuo não haveria lugares naturais, de onde se conclui, na perspectiva aristotélica, que a natureza tem horror ao vácuo.[5] Segundo Platão no Timeu: ”Pois que o ceu teve compreendidos entre si todos os gêneros (elementos), sendo ele circular e naturalmente desejoso de recolher-se em si mesmo, estreitou-os e não deixou entre eles nenhum espaço vazio”[6]. Enquanto os corpos abaixo da lua eram feitos dos quatro elementos e estavam sujeitos à mudança, para Aristóteles os corpos localizados acima da esfera da lua seguiam movimentos perfeitamente circular, eternos e constante por serem compostos de uma quintessência.[7] Os gregos, contudo, já tinham conhecimento da existência de corpos celestes que caíam na terra, os meteoros, e que sua composição era semelhante aos corpos encontrados na terra o que levou Aristóteles a acreditar que cometas eram fenômenos atmosféricos que pertenciam ao mundo sublunar, resultado de sua perspectiva que dividia o universo em das partes a sublunar sujeito a queda e inconstância a que se refere Heráclito (“tudo é mudança”) e a supralunar das substâncias eternas e imutáveis a que se refere Parmênides .[8] Os pitagóricos por sua vez asseveravam que no centro do universo achava-se o fogo central sendo a terra um dos astros que orbitavam em torno desse fogo produzindo assim os dias e as noite conforme sua posição, pois para os pitagóricos não faz sentido a terra estar no centro do universo mas o fogo que é considerado mais excelente que a terra, o que abriria caminho para o heliocentrismo de Heráclides Pontico e Aristarco de Samos (280 a.c.).[9] Rodolfo Mondolfo contudo considera equivocava essa atribuição do heliocentrismo aos pitagóricos pois para eles o fogo central não era o sol. O sol era apenas mais um astro a se mover em torno do fogo central.[10]



[1]ZINGANO, Marco. Platão & Aristóteles: o fascínio da filosofia, São Paulo:Odysseus Editora, 2002, p.73

[2]MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: v.I , São Paulo: Mestre Jou, 1964, p.249

[3]BURTT, Edwin Arthur. As bases metafísicas da ciência moderna. Brasília: UNB, 1984, p. 12

[4]RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência: das origens à Grécia. São Paulo:Círculo do Livro, 1987, p.111; GOLDFARB, Da alquimia à química, Sâo Paulo:Edusp, 1987, p.57

[5]KOYRE, Alexandre. Estudos de história do pensamento científico. Brasília:Forense,1982, p.161

[6]MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: v.I , São Paulo: Mestre Jou, 1964, p.249

[7]BYNUM, William. Uma breve história da ciência. Porto Alegre:L&PM Pocket, 2018, p. 36; ZINGANO, Marco. Platão & Aristóteles: o fascínio da filosofia, São Paulo:Odysseus Editora, 2002, p.79; MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 45

[8]ZINGANO, Marco. Platão & Aristóteles: o fascínio da filosofia, São Paulo:Odysseus Editora, 2002, p.81; CURY, Fernanda. Copérnico e a revolução da astronomia, São Paulo:Odysseus, 2003, p. 12

[9]MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: v.I , São Paulo: Mestre Jou, 1964, p. 69

[10]MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: v.I , São Paulo: Mestre Jou, 1964, p. 250


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