sábado, 22 de agosto de 2020

O químico cético Robert Boyle

 

Robert Boyle em The sceptical chymist de 1661 ridiculariza a doutrina já desgastada dos quatro elementos e das qualidades ocultas preconizada pelos alquimistas e por Aristóteles[1], insistindo que o termo “elemento” fosse reservado às substâncias irredutíveis e se fizesse uma distinção bem nítida entre “elementos” e “compostos”.[2] Apesar desta crítica, o personagem do livro Temístio, representante do aristotelismo descreve as ideias de Aristóteles formando um todo consistente a abrangente onde “cada uma das pedras está suficientemente amarrada pela solidez e inteireza de toda a estrutura de que faz parte”.[3] Robert Boyle opõem-se aos antigos conceitos escolásticos e de Paracelso aproximando-se mais das ideias de van Helmont do que das de Lavoisier[4]. A proposta de Boyle, contudo, não teve rápida adesão, pois substituía uma elegante doutrina por uma multiplicidade de elementos sem ter claro os meios de investigação analítica. Paolo Rossi mostra que neste livro Boyle não traz uma teoria dos elementos químicos: “não vejo porque  seja preciso supor necessariamente que haja corpos primogênitos e simples, com os quais, como elementos preexistentes, a natureza seria obrigada a compor todoso os outros. Nem vejo porque não possamos imaginar que a mesma natureza possa produzir um do outro os corpos considerados mistos mediante várias gransformações das suas partículas minúsculas, sem decompor a matéria em nenhuma daquelas substâncias simples e homogêneas em que se supõe que ela se decomponha”.[5] A teoria seria reanimada apenas um século depois com Lavoisier.[6] Para Robert Boyle, hábil experimentador em química[7], princípios incomensuráveis da alquimia como “enxofre”, “mercúrio” e “sal” de Paracelso são subjetivos e não se prestam a análise química dos compostos pois não são homogêneos para que posam ser considerados unidades fundamentais da matéria. Na obra anterior Certain Phyiological Essays do mesmo ano de 1661, Boyle já deixava claro seu apoio a teoria da matéria como partículas que então estava substituindo a visão aristotélica da função conjunta da matéria e da forma, presente em expressões como “forma de calor”, “virtude dormitiva do ópio”. Segundo Ana Goldfardb: “será, principalmente, a partir do trabalho de Sir Robert Boyle que a química iniciará seu complexo, processo de incorporação como teoria científica independente junto à nova filosofia natural, pois com ele o elán hermético que envolvia o estudo da micro matéria começa a ser rompido”.[8]

[1]MLODINOW, Leonard. De primatas a astronautas, Rio de Janeiro: Zahar, 2015, p.195

[2]SEDGWICK, W.; TYLER, H; BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.264; RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência: Da Renascença à Revolução Científica. v.3, São Paulo:Jorge Zahar, 2001, p.121

[3]LLOYD, G. Ciência e matemática. In: FINLEY, Moses. O legado da Grécia. Brasília: UNB, 1998, p. 322

[4]TATON, René. A ciência moderna: o século XVII, tomo II, v.2, São Paulo:Difusão, 1960, p.163

[5]ROSSI, Paolo. O Nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 281

[6]SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.IV, Oxford, 1958, p.215

[7]GILLISPIE, Charles. Dicionário de biografias científicas, Rio de Janeiro:Contraponto, 2007, p. 335

[8]GOLDFARB, Da alquimia à química, Sâo Paulo:Edusp, 1987, p.182


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