terça-feira, 11 de agosto de 2020

Memória e reminiscência

 

Na antiguidade de tradição oral as possibilidades de difusão das técnicas eram maiores porque a tolerância ao erro era maior o que fazia os sacerdotes a confiarem a fundamentar seus conhecimentos para poder transmiti-los, ao passo que com a escrita, esta reprodução era mais mecânica, se limitava a copiar um texto sagrado. O mesmo ocorreu na Babilônia onde muitas tabuinhas lançam maldições aos copistas que modificarem qualquer parte dos textos antigos tal como se reflete no Apocalipse 22:19 “E, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte do livro da vida, e da cidade santa, e das coisas que estão escritas neste livro”.[1] Este ceticismo com respeito a se transmitir a ciência pela forma escrita é refletida no Fedro de Platão em que o rei Tamuz se queixa com Thoth inventor da escrita de que sua invenção levaria ao desprezo da memória e do papel dos mestres: “Esta tua descoberta [a escrita] gerará esquecimento nas almas dos aprendizes, porque eles não utilizarão a sua memória, confiarão em caracteres escritos exteriores e não se lembrarão de si mesmos. O específico que descobriste não é um auxiliar da memória, mas sim da reminiscência, e tu dás aos teus discípulos não a verdade, mas apenas a aparência de verdade; eles serão ouvidores de muitas coisas e não terão aprendido nada; porque quando verem que podem aprender muitas coisas sem mestre, já se tomarão por sábios, e não serão mais que ignorantes, na sua maioria, e falsos sábios insuportáveis no comércio da vida”[2]. No Menon, Platão confirma “aprender é sempre, em verdade, uma reminiscência”.[3] A reminiscência como despertar intelectivo das ideias é diferente da memória que é a conservação de sensações. No Teeteto Platão explica que “a memória é explicada como impressão deixada pelas sensações em uma espécie de bloco de cera introduzido na alma, de acordo com a qualidade da cera as impressões são mais distintas ou confusas, duráveis ou apagadas”. A escrita mata a verdadeira memória, aquela que permite através de uma disciplina exigente reencontrar o divino saber. Moses Finlay observa que a sociedade grega estava orientada para a palavra oral, não somente nos grandes teatros, mas nas assembleias públicas. Heródoto fazia leituras públicas de sua História, os filósofos mantinham suas aulas presenciais conversando, discutindo. [4]



 [1]ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.129

 [2]ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.135; BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.441

 [3]MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo v.I. São Paulo:Mestre Jou, 1964, p.212

 [4]FINLEY, Moses. Los griegos de la antiguedad. Barcelona: Editorial Labor, 1966, p. 96


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