sábado, 8 de agosto de 2020

Lavoisier e a revolução

 

Lavoisier morreu na guilhotina em 8 de maio de 1794 vítima durante o reinado do Terror na Revolução Francesa[1] por influência de um de seus detratores o jornalista radical Jean-Paul Marat (1743-1793), líder da facção esquerdista Montagnard[2]. Em abril de 1779, Marat apresentou um trabalho à Academia Francesa de Ciências, no qual descreveu uma série de experiências ópticas que tornavam visíveis a matière du feu (“matéria de fogo”).[3] Para Marat, o fogo resultava da atividade de partículas do fluido ígneo contido nos corpos. Lavoisier rejeitou o trabalho de Marat, que passou a denunciar em artigo no jornal L’ Ami du Peuple os supostos abusos de Lavoisier como membro da impopular Ferme Générale – Companhia de Fazenda Geral - órgão encarregado para a terceirização da arrecadação de impostos. Como associado da Ferme Lavoisier arrecadava taxas do povo e repassava um valor fixo ao governo. Era possível exigir substancialmente mais do que o governo exigia e assim garantir um lucro significativo que Lavoisier usava para seus experimentos científicos e seu laboratório[4]. Turgot designara Lavoisier para administrar a produção de pólvora e munições pelo Régie des Poudres de 1775.[5] O governo revolucionário aprovou um decreto que fecha a Academia de Ciências pois “somente os conhecimentos úteis podem ser chamados de ciência”[6], do qual Lavoisier era diretor, denunciando-o como “um repositório defunto do pensamento realista”.[7] Seus defensores alegavam que Lavoisier não trabalhava como coletor de impostos, sua função era administrativa, mas com certeza tinha conhecimento dos abusos na instituição[8]. Em 1784 uma comissão formada para julgar o mesmerismo incluindo Lavoisier conclui que o fluido magnético de Mesmer era uma ficção e suas supostas curas meras sugestões dos pacientes, em uma polêmica que envolveu o debate em torno da democratização da ciência e questionamento do papel de uma elite científica como julgadora.[9] Por não aceitar o fechamento da Academia em 1793 Lavoisier foi acusado de alta traição, sendo guilhotinado em 1794. Lagrange (1736-1813) concluiu: “Eles não levaram mais do que um momento para fazer rolar aquela cabeça, e cem anos podem não ser suficientes para produzir outra cabeça daquelas”. [10] A citação atribuída a Coffinhal, presidente do tribunal no julgamento de Lavoisier: “a República não precisa de sábios” é apócrifa.[11] No ano seguinte á execução de Lavoisier o Liceu das Artes organizou a primeira cerimônia de homenagem ao cientista, em que Lagrange descerrou um busto de Lavoisier com a seguinte inscrição: “vítima da tirania, amante respeitado das artes, ele continua vivo, por seu gênio continua servindo a humanidade”.

[1] RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência: Da Renascença à Revolução Científica. v.3, São Paulo:Jorge Zahar, 2001, p.124; LAFONT, Olivier. A química. In: COTARDIÈRE, Philippe. História das ciências: da antiguidade aos nossos dias, Rio de Janeiro:Saraiva, 2011, p.179

[2] BELL, Madison Smartt. Lavoisier no ano um. São Paulo: Cia das Letras, 2007, p. 12, 33

[3] STRATHERN, Paul. O sonho de Mendeleiev: a verdadeira história da química, Rio de Janeiro:Zahar, 2002, p.207; ABRANTES, Paulo. Imagens de natureza, imagens de ciência, Campinas:Papirus, 1998, p.120

[4] THOMAS, Henry; THOMAS, Dana Lee. Living biographies of great scientists, New York:Blue Ribbbon Books, 1946, p.72; MLODINOW, Leonard. De primatas a astronautas, Rio de Janeiro: Zahar, 2015, p.203; MOSLEY, Michael.Uma história da ciência. Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 78; BELL, Madison Smartt. Lavoisier no ano um. São Paulo: Cia das Letras, 2007, p. 13

[5] ABRANTES, Paulo. Imagens de natureza, imagens de ciência, Campinas:Papirus, 1998, p.114

[6] ABRANTES, Paulo. Imagens de natureza, imagens de ciência, Campinas:Papirus, 1998, p.115

[7] THOMAS, Henry; THOMAS, Dana Lee. Living biographies of great scientists, New York:Blue Ribbbon Books, 1946, p.76

[8] STRATHERN, Paul. O sonho de Mendeleiev: a verdadeira história da química, Rio de Janeiro:Zahar, 2002, p.195

[9] ABRANTES, Paulo. Imagens de natureza, imagens de ciência, Campinas:Papirus, 1998, p.118

[10] https://en.wikipedia.org/wiki/Antoine_Lavoisier#Final_days_and_execution

[11] DAUMAS, M. Nascimento da química moderna, In: TATON, René. A ciência moderna: o século XVIII, tomo II, livro 3, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1960, p. 129; CHASSOT, Attico. A ciência através dos tempos, São Paulo:Moderna, 1994, p. 125; BELL, Madison Smartt. Lavoisier no ano um. São Paulo: Cia das Letras, 2007, p. 169


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