quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Condenação de Galileu

 

Stephen Shapin mostra que com as sociedades científicas promove-se a divulgação científica como um valor. Na Royal Society do século XVII as execuções experimentais eram submetidas a apreciação dos demais cientistas que testemunhavam sua aprovação em um Livro de Registros. Segundo o motto da Sociedade tal como expressa por John Evelyn: Nullius in verba – ou seja, a verdade deveria ser buscada na experiência e não na palavra de nenhuma autoridade[1]: Não aceites a palavra de ninguém por uma coisa, vê tu mesmo, ou seja, a ciência não deve se pautar pela autoridade dos antigos[2]. Os relatórios experimentais deveriam ser escritos de modo a permitir a reprodução pelos eleitores ausentes[3]. Segundo Peter Burke: “Algumas sociedades cultas eram sociedades mais ou menos secretas, enquanto outras, como a Royal Society de Londres, se interessavam em tornar público o conhecimento. A longo prazo, a ascenção do ideal do conhecimento público é visível no período moderno e está ligada ao surgimento da imprensa”[4]. Mersenne apresentou em 1635 a proposta de uma academia que reuniria os eruditos de toda a Europa tendo o progresso do conhecimento humano ao longo do tempo um de seus pilares : “Diz-se que é preciso respeitar a Antiguidade: Aristóteles, Platão, Epicuro, esses grande homens, não terão talvez se enganado ? E não se considera que Aristóteles, Platão, Epicuro eram homens como nos, da nossa mesma espécie, e que, além do mais, o mundo está dois mil anos mais velho no tempo em que vivemos, possui mais experiência, deve ser mais culto, e afinal é a velhice do mundo e a experiência que nos permite descobrir a verdade ?”.[5] Para Mersenne a ciência é um empreendimento que envolve o compartilhamento de ideias: “as ciências  fizeram, entre si, um juramento de inviolável sociedade”.[6] Este movimento deve ser compreendido como reação ao profundo impacto sofrido pela ciência após a condenação de Galileu. Em 1633 Descartes escrevera a Mersenne dizendo que desistia de publicar seu tratado sobre o mundo diante da condenação  de Galileu no mesmo ano. John Milton no seu livro Areopagitica após visitar Galileu se queixa que “os italianos cultos lamentavam o estado de escravidão em que a ciência fora reduzida na sua pátria; era a razão pela qual o espírito italiano, tão vivo, apagara-se e pela qual há muitos anos tudo aquilo que se escrevia não era mais do que adulação e banalidades’. [7]



[1]TINNISWOOD, Adrian. The Royal Society, London:Head of Zeus, 2019, p.40

[2]BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.359

[3]SHAPIN, Steven. A revolução científica, Portugal:DIFEL, 1999, p.118

[4]BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento, Rio de Janeiro:Zahar, 2003, p.80

[5]ROSSI, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo:Cia das Letras, 1989, p. 85

[6]TATON, René. A ciência moderna: o século XVII, tomo II, v.2, São Paulo:Difusão, 1960, p.12

[7]ROSSI, Paolo. O Nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 184



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