domingo, 19 de julho de 2020

Revolta dos Ciompi


As revoltas populares do final da idade média embora em sua totalidade derrotadas e reprimidas politicamente representaram um profundo impacto no desfecho final da crise do feudalismo. Entre estas revoltas destacam-se as dos Ciompi em Siena em 1371 e em Florença em 1378 contra o controle das guildas por parte dos grandes mercadores[1] tendo a revolta sido comandada cardador Michele di Lando[2] com batalhas na praça Piazza della Signoria[3], dos Jaques ou Jacqueries liderados por Etienne Marcel em Ille de France em 1358[4] bem como as revoltas em Aragão e Catalunha a partir de 1350 e sobretudo em 1388 em Languedoc[5] e em 1381 com Johann Ball e Wat Tyler na Inglaterra[6] e o início da guerra de Cem Anos em 1337.[7] Em 1323 uma revolta de camponeses foi comandada por Nicolau Zanekin e o artesão Jacob Peyt.[8] Os Ciompi (cardadores de lã, pisoeiros[9]) ou “unhas azuis”[10], devido ao uso constante de tintas para tingimento dos tecidos, eram aqueles que não pertenciam a nenhuma corporação de ofício[11] e, portanto, não poderiam participar do governo local[12]. Os trabalhadores de lã da classe baixa (popolo minuto) não pertenciam a nenhuma guilda e exigiram sua entrada no conselho e assumiram por curto espaço de tempo o governo local[13], até então ocupado pela alta burguesia (popolo grasso). [14] Na lista dos principais líderes da revolta dos Ciompi liderados por Michel Landoi em 1378 encontram-se quando muito um notário, um médico e um mestre escola, na grande maioria dos líderes são trabalhadores têxteis, um taberneiro, um padeiro e um serralheiro.[15] Jacques le Goff observa que já no século XIII se observava diversas revoltas como a de Béziers em 1280, Toulouse em 1288, Reims em 1292, Paris em 1306 e em 1302 em Liége[16]. Artífices e camponeneses são os atores principais de tais revoltas. [17] Robert Delort observa o caráter conservador destas revoltas além de representar um fenômeno localizado no tempo e no espaço de modo que não fazem parte da vida cotidiana medieval. [18] Para Robert Fossier: “as revoltas camponesas, e mesmo a das cidades, não tem como objeto, pelo menos antes do século XV, a derrubada do sistema senhorial; são seus desvios ou a miséria que as provocam”.[19] Eduard Perroy observa que estas reivindicações de emancipação camponesa e do acesso dos membros das corporações de ofícios às vantagens da fortuna burguesa viria a experimentar um duplo malogro, exceto por vitórias temporárias em Flandres, em Gand em 1360 e em Liège em 1384, seja porque surgem em um momento em que a força das cidades começa a fraquejar, seja pela ascensão do poder político do rei ou príncipe: “o poder político foi o único beneficiário da operação”.[20] Perry Anderson argumenta que tais revoltas demonstram que não são as forças produtivas (novas tecnologias) que rompem triunfantemente com as relações de produção como normalmente se pensa em meios marxistas mas pelo contrário novas forças de produção deverão ser engendradas para dar lugar a um modo de produção globalmente novo, ou seja as relações de produção (sociedade) em geral mudam antes das forças de produção (tecnologia) e não o contrário. Assim a crise do feudalismo não levou logo em seguida a um surto de novas técnicas de produção, isso somente viria a acontecer séculos mais tarde.[21]



[1] UNWIN, George. Industrial Organization in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, Claredon Press:Oxford, 1904, p.18
[2] DELORT, Robert. La vie au moyen age, Lausanne:Edita, 1982, p.264 https://it.wikipedia.org/wiki/Michele_di_Lando
[3] https://en.wikipedia.org/wiki/Ciompi_Revolt
[4] DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.73; FREMANTLE, Anne. Idade da fé. Biblioteca de História Universal Life. Rio de Janeiro:José Olympio, 1970, p.163; FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média, Rio de Janeiro:Vozes, 2018, p. 107
[5] DELORT, Robert. La vie au moyen age, Lausanne:Edita, 1982, p.157
[6] FREMANTLE, Anne. Idade da fé. Biblioteca de História Universal Life. Rio de Janeiro:José Olympio, 1970, p.164; LE GOFF, Jacques. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 381; FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média, Rio de Janeiro:Vozes, 2018, p. 108 https://pt.wikipedia.org/wiki/Wat_Tyler
[7] GIMPEL, Jean. A revolução industrial da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1977, p.171; McCLELLAN III, James; DORN, Harold. Science and technology on world history: an introduction. The Johns Hopkins University Press, 1999, p.192; BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.336
[8] MICELI, Paulo. O feudalismo, São Paulo: Atual, 1986, p. 53
[9] FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 113
[10] FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 195
[11] DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.200
[12] https://en.wikipedia.org/wiki/Ciompi_Revolt
[13] CORNELL, Tim; MATHEWS, John. Renascimento v.I , Grandes Impérios e Civilizações, Lisboa:Ed. Del Prado, 1997, p. 30
[14] JUNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 86; LE GOFF, Jacques. Cidade. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 263; MONTEIRO, Hamilton. O feudalismo: economia e sociedade, São Paulo:Ática, 1987, p.82
[15] VERGER, Jacques. Homens e saber na idade média, Bauru:EDUSC, 1999, p. 201
[16] LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p.94
[17] PERROY, Edouard. A idade média : os tempos difíceis, tomo III, v. 3, São Paulo:Difusão, 1958, p. 40
[18] DELORT, Robert. La vie au moyen age, Lausanne:Edita, 1982, p.158
[19] FOSSIER, Robert. As pessoas da idade média, Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 204
[20] PERROY, Edouard. A idade média : os tempos difíceis, tomo III, v. 3, São Paulo:Difusão, 1958, p. 43
[21] ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 228

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