As revoltas populares do final da
idade média embora em sua totalidade derrotadas e reprimidas politicamente representaram
um profundo impacto no desfecho final da crise do feudalismo. Entre estas
revoltas destacam-se as dos Ciompi em Siena em 1371 e em Florença em 1378 contra
o controle das guildas por parte dos grandes mercadores[1]
tendo a revolta sido comandada cardador Michele di Lando[2]
com batalhas na praça Piazza della Signoria[3],
dos Jaques ou Jacqueries liderados por Etienne Marcel em Ille de France em 1358[4]
bem como as revoltas em Aragão e Catalunha a partir de 1350 e sobretudo em 1388
em Languedoc[5] e
em 1381 com Johann Ball e Wat Tyler na Inglaterra[6]
e o início da guerra de Cem Anos em 1337.[7]
Em 1323 uma revolta de camponeses foi comandada por Nicolau Zanekin e o artesão
Jacob Peyt.[8] Os
Ciompi (cardadores de lã, pisoeiros[9])
ou “unhas azuis”[10],
devido ao uso constante de tintas para tingimento dos tecidos, eram aqueles que
não pertenciam a nenhuma corporação de ofício[11]
e, portanto, não poderiam participar do governo local[12].
Os trabalhadores de lã da classe baixa (popolo
minuto) não pertenciam a nenhuma guilda e exigiram sua entrada no conselho
e assumiram por curto espaço de tempo o governo local[13],
até então ocupado pela alta burguesia (popolo
grasso). [14]
Na lista dos principais líderes da revolta dos Ciompi liderados por Michel
Landoi em 1378 encontram-se quando muito um notário, um médico e um mestre
escola, na grande maioria dos líderes são trabalhadores têxteis, um taberneiro,
um padeiro e um serralheiro.[15]
Jacques le Goff observa que já no século XIII se observava diversas revoltas
como a de Béziers em 1280, Toulouse em 1288, Reims em 1292, Paris em 1306 e em
1302 em Liége[16]. Artífices
e camponeneses são os atores principais de tais revoltas. [17]
Robert Delort observa o caráter conservador destas revoltas além de representar
um fenômeno localizado no tempo e no espaço de modo que não fazem parte da vida
cotidiana medieval. [18]
Para Robert Fossier: “as revoltas
camponesas, e mesmo a das cidades, não tem como objeto, pelo menos antes do
século XV, a derrubada do sistema senhorial; são seus desvios ou a miséria que
as provocam”.[19]
Eduard Perroy observa que estas reivindicações de emancipação camponesa e do
acesso dos membros das corporações de ofícios às vantagens da fortuna burguesa
viria a experimentar um duplo malogro, exceto por vitórias temporárias em
Flandres, em Gand em 1360 e em Liège em 1384, seja porque surgem em um momento
em que a força das cidades começa a fraquejar, seja pela ascensão do poder
político do rei ou príncipe: “o poder
político foi o único beneficiário da operação”.[20]
Perry Anderson argumenta que tais revoltas demonstram que não são as forças
produtivas (novas tecnologias) que rompem triunfantemente com as relações de
produção como normalmente se pensa em meios marxistas mas pelo contrário novas
forças de produção deverão ser engendradas para dar lugar a um modo de produção
globalmente novo, ou seja as relações de produção (sociedade) em geral mudam
antes das forças de produção (tecnologia) e não o contrário. Assim a crise do
feudalismo não levou logo em seguida a um surto de novas técnicas de produção,
isso somente viria a acontecer séculos mais tarde.[21]
[1] UNWIN, George. Industrial Organization in the Sixteenth and Seventeenth
Centuries, Claredon Press:Oxford, 1904, p.18
[2] DELORT, Robert. La vie au moyen age, Lausanne:Edita, 1982, p.264
https://it.wikipedia.org/wiki/Michele_di_Lando
[3] https://en.wikipedia.org/wiki/Ciompi_Revolt
[4] DELUMEAU, Jean. A
civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.73; FREMANTLE, Anne.
Idade da fé. Biblioteca de História Universal Life. Rio de Janeiro:José
Olympio, 1970, p.163; FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média, Rio de
Janeiro:Vozes, 2018, p. 107
[5] DELORT, Robert. La vie au moyen age, Lausanne:Edita, 1982, p.157
[6] FREMANTLE, Anne. Idade
da fé. Biblioteca de História Universal Life. Rio
de Janeiro:José Olympio, 1970, p.164; LE GOFF, Jacques. In: LE GOFF, Jacques;
SCHMITT, Jean Claude. Dicionário
analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 381; FOSSIER,
Robert. O trabalho na idade média, Rio de Janeiro:Vozes, 2018, p. 108
https://pt.wikipedia.org/wiki/Wat_Tyler
[7] GIMPEL, Jean. A
revolução industrial da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 1977, p.171;
McCLELLAN III, James; DORN, Harold. Science and
technology on world history: an introduction. The Johns Hopkins University
Press, 1999, p.192; BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de
Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.336
[8] MICELI, Paulo. O
feudalismo, São Paulo: Atual, 1986, p. 53
[9] FOSSIER, Robert. O
trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 113
[10] FOSSIER, Robert. O
trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 195
[11] DELUMEAU, Jean. A
civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.200
[12]
https://en.wikipedia.org/wiki/Ciompi_Revolt
[13] CORNELL, Tim; MATHEWS,
John. Renascimento v.I , Grandes Impérios e Civilizações, Lisboa:Ed. Del Prado,
1997, p. 30
[14] JUNIOR, Hilário Franco.
A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 86; LE
GOFF, Jacques. Cidade. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário
analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 263; MONTEIRO, Hamilton.
O feudalismo: economia e sociedade, São Paulo:Ática, 1987, p.82
[15] VERGER, Jacques. Homens
e saber na idade média, Bauru:EDUSC, 1999, p. 201
[16] LE GOFF, Jacques. A
civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p.94
[17] PERROY, Edouard. A
idade média : os tempos difíceis, tomo III, v. 3, São Paulo:Difusão, 1958, p.
40
[18] DELORT, Robert. La vie au moyen age, Lausanne:Edita, 1982, p.158
[19] FOSSIER, Robert. As
pessoas da idade média, Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 204
[20] PERROY, Edouard. A
idade média : os tempos difíceis, tomo III, v. 3, São Paulo:Difusão, 1958, p.
43
[21]
ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento,
1982, p. 228
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