Ruy Gama observa que enquanto a colônia se ocupa da atividade de fabricação, o refino do açúcar é realizado na Europa baseada no trabalho livre, familiar e artesanal, com as técnicas envolvidas mantidas em segredo pelas corporações de ofícios. João Peixoto Vargas chegou a sugerir investimentos em refino, no auge da crise de 1687.[1] A maior parte do açúcar brasileiro era refinado em Amsterdã onde haviam 25 refinarias em 1621.[2] Em 1759 Pombal autorizou a instalação da primeira refinaria de açúcar em Portugal. [3]A descoberta de zonas auríferas no início do século XVIII riria contribuir para encarecer a mão de obra escrava e agravar a crise açucareira. Duhamel DuMonceau, enciclopedista ao publicar L´art de raffiner le sucre em 1764 irá começar a romper com tais segredos de ofícios ao revelar as técnicas de refino do açúcar.[4]Von Lippmann mostra que no Nordeste ocupado pelos holandeses de 1629 a 1651 cerca de dois terços do açúcar exportado era do tipo branco e o restante mascavado. Antonil no século XVIII menciona percentuais similares. Carlos Valeriano de Cerqueira no Histórico da cultura da cana na Bahia de 1778 a 1789 aponta que persiste a relação de 2/3 em favor do açúcar branco. [5]No século XIX contudo, a grande maioria dos produtores pernambucanos exportavam o açúcar mascavado bruto o que significava um preço de 25% a 33% abaixo do pago para o açúcar refinado branco, bem como pagar pelo transporte de impurezas. Ao final do século XVIII acumulam-se reclamações contra a má qualidade do açúcar branco brasileiro e diversas formas de fraude, como a mistura dos dois tipos de açúcar na mesma caixa e mesmo a inclusão de pedras[6]. Diante de tantas fraudes na pesagem o governo central determina em 1657 que as caixas de açúcar comecem a ser marcadas e numeradas consecutivamente de modo a certificar a qualidade do produto. Tal como as marcações do gado as marcas usadas nas caixas de açúcar usavam combinações das iniciais do nome do senhor de engenho. A Companhia Geral do Maranhão criada em 1682 impõe um regime de monopólios. Segundo João Francisco Lisboa: “os administradores não só faltaram às diversas obrigações a que se haviam sujeitado como se demasiaram em toda a casta de roubo e vexações. Os pesos e medidas que usavam eram falsificados, as fazendas e comestíveis expostos à venda, da pior qualidade e até corruptos”.[7]Em 1751 seriam criadas Casas de Inspeção.[8]John Mawe relata a marcação dos fardos de algodão feitos por oficial do governo como forma de especificar a qualidade do produto exportado.[9]Entre os escravos, tidos como mercadorias, haviam diversas marcações como a do traficante, do comprador, da Coria portuguesa indicando que os impostos haviam sido pagos ou da Igreja indicando o batizado. [10]Charles Boxer no seu livro O Império Colonial Português menciona o depoimento do navegante William Dampier em visita a Salvador em 1699 em que destaca a qualidade do açúcar do Brasil: “O açúcar deste país é muito melhor do que o que transportamos para a Inglaterra vindo de nossas plantações [nas Antilhas], porque todo o açúcar aqui fabricado é refinado, o que o torna mais branco e mais fino que o nosso mascavado, nome que damos ao nosso açúcar não refinado”.[11]
[1] SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 165
[2] STEIN, Stanley; STEIN, Barbara. A herança colonial da América Latina, Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1977, p.27; COSTA, Marcos. O livro obscuro do descobrimento do Brasi, Rio de Janeiro:Leya, 2019, p. 304
[3]ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 130
[4] GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.58, 163, 247
[5] GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.313
[6] GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.329; GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.322
[7] MATOS, Clarence; NUNES, César. História do Brasil, São Paulo: Círculo do Livro, 1993, p. 27
[8] SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 115
[9] MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. São Paulo: USP, 1978, p. 193
[10] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.282
[11]ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 71
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