Em Veneza a guilda dos fabricantes de vidro impunha um conjunto elaborado de regras a seus membros desde o tipo de madeira a ser usado nos fornos a como eleger seus representantes. O Estado fazia sua parte proibindo a possibilidade de fabricantes de vidro emigrar, e havia rumores de que quem quer que violasse esta regra estaria sob risco de vida.[1] Nos séculos XI e XII foi introduzida a técnica de sopro do vidro na Europa medieval.[2] Will Durant destaca que artesãos venezianos em metal e vidro aprenderam muitas técnicas de artesões muçulmanos.[3] Os vidreiros venezianos foram os primeiros na Europa a produzir um vidro incolor. O vidro era feito pela seleção cuidadosa dos ingredientes incorporando substâncias minerais que contribuíam para eliminar a cor, em um vidro que ficou conhecido como cristallo devido à sua semelhança com o cristal de rocha natural.[4] A invenção deste tipo de vidro é atribuída ao fabricante Angelo Barovier em 1450. [5] Em Murano os segredos da fabricação de vidro eram ciosamente protegidos e consideradas questão de Estado, a difusão de tais conhecimentos para artesãos fora da guilda era severamente punidas.[6] Os venezianos haviam trazido do Oriente Média a barrilha um dos ingredientes principais para fabricação de cristais puros. A indústria se tranferira em 1291 para a ilha de Murano devido ao risco que representava para a cidade as fornalhas. Os artesãos que dominavam a técnica eram proibidos de deixar a cidade[7] ou então caso levassem ao estrangeiro um segredo de indústria eram punido de morte.[8] Jean Delumeau aponta o vidro silício alcalino de Veneza não se constituí um cristal em seu grau de pureza, mas sem dúvida representou um progresso indiscutível e garantiu a properidade das oficinas de Murano.[9] Os vidreiros das guildas venezianas chamados fieroli tiveram de se transferir para Murano em 1291 devido ao risco representados pelos fornos. [10]. Regulamentos de 1271, 1281 e 1295 estabeleciam multas aos artesãos da guilda que deixassem a cidade com o objetivo de praticar seu ofício no exterior. Em 1313 Petrus Caldera foi punido e bando da guilda. Pamela Long reconhece que a propriedade intelectual dos processos de fabricação de vidro em Murano foi um elemento importante que levouo a emergência das primeiras patentes em Veneza.[11]. Outro invento importante na técnica do vidro em Murano foi realizada em 1503 com o desenvolvimento de um novo processo de fabricação de espelhos que consistia em aplicar ao vidro uma estanhagem de chumbo[12] em uma técnica aprendida com os bizantinos[13]. O cristal transparente e polido era coberto com folhas de estanho sobre a qual se vertia mercúrio que escorria e envernizava a parte detrás do espelho para protegê-lo.[14]Dante se refere ao “vidro chumbado” na Divina Comédia (Inferno, XXIII, 25). Os espelhos de cobre ou bronze polidos eram muito ineficientes. O espelho de vidro convexo foi inventado em Veneza por volta de 1300 e sua difusão levou a um aumento na encomenda de retratos artísticos reforçando o sentimento de individualismo.[15] As técnicas de uma sofisticas arte em cerâmica (faiança ou majolica) foi descrita por Cipriano Piccolpasso de Castel em 1556 escrita na obra Li ter libri dell´Arte vel vasaio mas mantida em segredo e publicada em Roma somente em 1857, três séculos depois. [16]
[1] JOHNS, Adrian. Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The University Chicago Press, 2009, p.20
[2] FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 171
[3] DURANT, Will. História da Civilização, A idade da fé, tomo II, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1957, p.84
[4] READER’S DIGEST, História dos grandes inventos, Portugal, 1983, p. 334
[5] NASCIMENTO, Marcio; ZANOTTO, Edgar. On the first patents, key inventions and research manuscripts about glass science & technology, World Patent Information, 2016, p. 56
[6] TRIVELLATO, Francesca. Guilds, technology, and economic change in early modern Venice. In EPSTEIN, Stephan; PRAK, Maarten. Guilds, innovation and the european economy, 1400-1800, Cambridge University Press, 2008, p.223
[7] MOSLEY, Michael.Uma história da ciência. Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 38
[8] STEVERS, Martin. A inteligência através dos séculos. São Paulo:Globo, 1946, p.434
[9] DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.195
[10] LONG, Pamela. Invention, Authorship, Intellectual Property, and the Origin of Patents: Notes toward a Conceptual History, Technology and Culture, v.32, n.4, Special Issue: Patents and invention, october 1991, p.870
[11] LONG, Pamela. Invention, Authorship, Intellectual Property, and the Origin of Patents: Notes toward a Conceptual History, Technology and Culture, v.32, n.4, Special Issue: Patents and invention, october 1991, p.873
[12] DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.I, p.196
[13] FRUGONI, Chiara. Invenções da Idade Média, Rio de Janeiro:Zahar, 2007, p. 17
[14] DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.164
[15] MORTIMER, Ian. Séculos de transformações. Rio de Janeiro:DIFEL, 2018, p. 153
[16] SARTON, George. Six wings, men of science in the Renaissance, Bloomington: Indiana University Press, 1957, p. 105
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