sexta-feira, 26 de junho de 2020

Paracelso e a raça de víboras

Paracelso foi o descobridor do zinco que denominou zinken[1] e denominava como “metal bastardo” por não ser encontrado puro tal como o ouro mas sempre em mistura com outros metais[2]. Em 24 de junho de 1526 numa festa de São João[3], Paracelso atacou violentamente a terapêudica tradicional queimando em público em panelas contendo enxofre obras de Galeno[4], Aristóteles e o Canon da Medicina de Avicena[5], se referindo que eles deveriam arder no inferno:[6]Se os vossos médicos só sabem o que o vosso príncipe Galeno estava pregando no inferno, de onde me tem enviado cartas, far-se-ia sobre eles o sinal da cruz com um rabo de raposa. De igual forma o vosso Avicena senta-se no vestíbulo do pórtico infernal; e eu discuti com ele o seu aurum potabile, a sua quintessência, o seu elixir da longa vida, a sua mitrida, a sua teriaga e todo o resto. Ó hipócritas que desdenhais das verdades que são são enviadas por um grande médico, ele próprio instruído pela natureza e filho do próprio Deus ! Vinde, pois, e escutai impostores, que dominais apenas pela autoridade de vossas altas posições ! Depois da minha morte, os meus discípulos avançarão, arrastar-vos-ão para a luz e mostrar-vos-ão vossas sujas drogas com que até agora tendes regulado a morte dos príncipes e dos demais notáveis magnatas do mundo cristão. Pobres dos vossos pescoços no dia do julgamento! Sei que a monarquia será minha. Minhas também serão a honra e a glória. Não que eu me exalte a mim próprio: a natureza exalta-me. Dela nasci, é a ela que eu sigo. Ela me conhece e eu a conheço. A luz que existe nela, eu contemplei-a; exatamente também provei o mesmo na figura do microcosmo, e encontrei-o nesse universo[7]. Bernardino Telesio que fundou a Accademia Cosentina ou Telesiana aponta em sua obra os erros da doutrina de Aristóteles na ciência e seus livros incluídos pelo Papa Clemente VIII na lista dos livros proibidos de 1596. [8]
Aos lentes das universidades Paracelso dirigia-se implacavelmente: “Soi da raça das víboras, e eu não devo esperar de vós, senão veneno. Impostores ! Vos ignorais até as coisas mais simples. Eu não vos confiava nem o tratamento de um cão [...] meus acusadores sustentam que não entrei no templo do conhecimento pela porta certa. Mas qual é a porta certa ? Galeno, Avicena ou a natureza ? Pois foi pela porta da natureza que entrei. Foi a luz da natureza, não a lâmpada do boticário que iluminou o meu caminho” .[9] Paracelso ministrava suas aulas de medicina em Basileia em alemão[10] o que contribuía para que suas teses ganhassem maior popularidade para além do público erudito da época: “As altas academias conseguem produzir tantos altos asnos. As universidades não ensinam todas as coisas, de maneira que o médico deve sair em busca de velhas parteiras, ciganos, feiticeiros, tribos nômades, velhos ladrões e outros fora da lei desse tipo e aprender com eles. O médico deve ser um viajante [...]nenhum mestre nasce em casa (...) As doenças vagam pelo mundo e não permanecem em um só lugar. Conhecerá bem as doenças quem também vagar. Se um homem deseja compreendê-las, ele deve vagar também”. [11] George Sarton observa que o fato de ministrar suas aulas em alemão e não em latim era considerado pelos demais professores como uma traição a um segredo profissional, pois o latim era uma forma de confinar o conhecimento dentro dos limites de uma elite culta e selecionada. [12]Seu livro Paragranum, publicado em 1530, traz a mais bem organizada apresentação de suas propostas para a formação e prática médicas, bem como de sua oposição as doutrinas médicas de sua época[13].
[1] CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 251
[2] FARIAS, Robson Fernandes. Paracelsus e a alquimia medicinal, São Paulo: Gaia, 2006, p.34
[3] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.314; SARTON, George. Six wings, men of science in the Renaissance, Bloomington: Indiana University Press, 1957, p. 109
[4] DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa:Estampa, 1984, v.II, p.135; TATON, René. A ciência moderna: o Renascimento, tomo II, v.I, São Paulo:Difusão, 1960, p. 18
[5] BRAGA, Marco; GUERRA, Andreia; REIS, Jose Claudio. Breve historia da ciência moderna, v.II, Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 50
[6] FARIAS, Robson Fernandes. Paracelsus e a alquimia medicinal, São Paulo: Gaia, 2006, p.20
[7] FARIAS, Robson Fernandes. Paracelsus e a alquimia medicinal, São Paulo: Gaia, 2006, p.22
[8] SARTON, George. Six wings, men of science in the Renaissance, Bloomington: Indiana University Press, 1957, p. 103 https://en.wikipedia.org/wiki/Bernardino_Telesio
[9] MIRANDA. Carlos Alberto Cunha. A arte de curar nos tempos da colônia. Recife:UFPE, 2017, p.42
[10] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.314
[11] FARIAS, Robson Fernandes. Paracelsus e a alquimia medicinal, São Paulo: Gaia, 2006, p.20, 30; SCHMIDT, Eder. Paracelso e o Paragranum: ensaio de uma nova medicina? Revista Médica de Minas Gerais, 2019, n.29. p.1-7
[12] SARTON, George. Six wings, men of science in the Renaissance, Bloomington: Indiana University Press, 1957, p. 110
[13] SCHMIDT, Eder. Paracelso e o Paragranum: ensaio de uma nova medicina? Revista Médica de Minas Gerais, 2019, n.29. p.1-7

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