Arquimedes considerava como suprema realização da inteligência humana as verdades científicas abstratas, tendo Plutarco comentando a seu respeito: “Arquimedes considerava o trabalho de engenheiro, assim como tudo o que dissesse respeito as necessidades da vida, como algo sem nobreza e vulgar (banausos)[1][...] repudiando como sórdida e ignóbil a profissão de engenheiro”[2]. A palavra grega mekhanos admitia o sentido de ardil e engodo[3]. Plutarco registra que "Arquimedes possuía um espírito tão elevado, uma alma tão profunda e uma tal capacidade de investigação científica, que mesmo tendo adquirido, em virtude de suas invenções, alto renome e reputação de uma inteligência antes divina que humana, não se dignou a legar á posteridade sequer um único escrito sobre tais temas. Considerando esses assuntos de mecânica, assim como toda arte utilitária, como ignóbeis e vulgares, dedicou sua devoção zelosa exclusivamente aqueles assuntos que por sua elegância e sutileza, estão completamente desligados das necessidades elementares da vida".[4] Éforo de Cime (405-330 a.c.) é apontado como autor de um tratado Peri heurematon, hoje perdido, sobre descobertas e invenções.[5] A arte (tekhne) por sua vez não se limita a produção de obras de arte mas inclui os ofícios em geral.[6] Guidobaldo del Monte em 1577 destaca o caráter mecânico da obra de Arquimedes “ainda que Plutarco, na própria vida, tivesse afirmado que desprezava as mecânicas, considerando-as baixas e vis e materiais [..] lemos nos, porém, em outros autores que ele ditou um livro de medida e proporção de todos os tipos de nau, adivinhando a forma do grande navio fabricado por Heron e Papus Alexandrino cita o livro da balança de Arquimedes que é mais totalmente mecânico [..] Dessas passagens vê-se expressamente que Arquimedes não só fez obras mecânicas, mas também escreveu muitos tratados sobre elas”.[7] O próprio Plutarco menciona que ao tempo de Sólon (590 a.c) “trabalho não era vergonha para ninguém, nem se fazia distinção com respeito ao comércio, mas o ofício dos mercadores era nobre”[8].Sólon favoreceu o desenvolvimento da indústria e comércio[9] e estabeleceu que todo cidadão de Atenas deveria aprender um ofício de seu pai. [10] Alguns destes artesãos ascendem à oligarquia como novos ricos aos quais poetas como Teógnis são críticos mordazes.[11] Para Joel Mokyr esta referência a Arquimedes parece indicar uma visão pessoal de Plutarco, pois o próprio Arquimedes em Politica escreve: “nenhum homem pode praticar a virtude se vive como mecânico ou trabalhador”.[12] George Sarton considera esta descrição de Aristóteles por Plutarco como verossímil e e tipicamente grega.[13]
[1] Os cientistas, Capítulo 1: Arquimedes, São Paulo: Abril Cultural, 1972. p. 36; HOOYKAAS, R. A religião e o desenvolvimento da ciência moderna, Brasília:UNB, 1988, p.107
[2] SEDGWICK, W.; TYLER, H; BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.103; SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.II, Oxford, 1956, p.604; CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 144; GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.270; CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 154
[3] GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.59
[4] ZIMAN, John. A força do conhecimento, São Paulo:USP, 1981, p.316; FINLEY, Moses. Economia e sociedade na Grécia antiga, São Paulo:Martins Fontes, 2013, p. 204; SARTON, George. Historia de la ciência, Buenos Aires:Editorial Universitaria Buenos Aires, 1959, p. 71
[5]MOMIGLIANO, Arnaldo. História e biografia. In: FINLEY, Moses. O legado da Grécia. Brasília: UNB, 1998, p. 203
[6] COLCHETE, Eliane; JUNIOR, Luis. A formação da filosofia contemporânea, Rio de Janeiro:Litteris, 2014, p.59
[7] ROSSI, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo:Cia das Letras, 1989, p. 57
[8] MUMFORD, Lewis. A cidade na história, São Paulo:Martins Fontes, 1982, p. 169
[9] FUNARI, Pedro. Grécia e Roma, São Paulo:Contexto, 2004, p.33
[10] HOOYKAAS, R. A religião e o desenvolvimento da ciência moderna, Brasília:UNB, 1988, p.102; JARDÉ, A. A Grécia antiga e a vida grega, São Paulo:Epusp, 1977, p.223
[11] GLOTZ, Gustave. A cidade grega. São Paulo:DIFEL, 1980, p.56
[12] MOKYR, Joel. The lever of riches: technological creativity and economic progress, New York:Oxford University Press, 1990, p.186
[13] SARTON, George. Historia de la ciência, Buenos Aires:Editorial Universitaria Buenos Aires, 1959, p. 71
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