terça-feira, 2 de junho de 2020

O relógio de John Harrisson



George III da Inglaterra e Luís XIV da França promoveram prêmios para aqueles que encontrassem uma solução definitiva para o problema da determinação da longitude, crucial para a orientação das embarcações em alto mar. Em 1626 a república holandesa ofereceu um prêmio de 25 mil florins. [1]Em 1598 Felipe III da Espanha ofereceu um prêmio de 1000 coroas para solução do problema da longitude.a Holana 10 mil florins. Em 1691 o testamento de Thomas Axe oferecia um prêmio de 1000 libras. [2]Na Inglaterra em 1714 foi promulgado o Longitude Act estabelecendo os critérios para concessão do prêmio[3]de 20 mil libras[4]. Entre 1730 e 1770 John Harrison[5]filho de um carpinteiro desenvolveu diversos relógios portáteis para solução do problema, procurando contornar as variações de temperatura com uso de termopares assim como compensar o balanço da embarcação. [6]O cronômetro marítimo H4 de Harrison construído com auxílio de um financiamento isento de juros obrido junto ao famoso fabricante de instrumentos George Graham, era baseado em um mecanismo movido por mola e controlado por um balanceiro e acompanhou as viagens do navegador James Cook em duas viagens no Pacífico entre 1772 e 1778 que chamava o relógio de “o nosso guia infalível”, “amigo de confiança”.[7] O prêmio exigia que o cronômetro atingisse uma precisão de 30 minutos de longitude numa viagem da Inglaterra às índias Orientais. Os cronômetros de Harrison, do relojoeiro Pierre Le Roy e do astrônomo suíço Ferdinand Berthoud superaram a meta, porém o de Harrison era o mais preciso e o mais robusto.[8]Testes feitos em 1761 em uma viagem à Jamaica de nove semanas mostraram que o H4 apresentava um atraso de apenas cinco segundos e um erro de longitude de 1,25 minutos, cerca de dois quilômetros[9], o que estava dentro da meta de 30 minutos de longitude que a Coissão havia estabelecido.[10] A multiplicidade de soluções, a dificuldade de julgamento, bem como interesses não técnicos em questão tornaram difícil a avaliação do prêmio. O chefe do Comitê, o astrônomo real, Maskelyne era membro de um consórcio concorrente e interveio mudando os requisitos de projeto para prejudicar Harrison. [11]A Comissão julgadora, não se convenceu da solução de John Harrison que se mostrava pouco prática, preferindo métodos baseados no movimento lunar.[12]O então presidente da Royal Society, Isaac Newton, reconhecido pela sua resistência em reconhecer os méritos de outros cientistas que não suas próprias descobertas setenciou que nenhum relógio poderia atingir os objetivos, o que atrasou o reconhecimento da invenção de Harrison segundo Daniel Boorstin[13]. Ao final, de trinta e três anos de sua primeira invenção, o prêmio de 20 mil libras oferecido pelo governo britânico[14]foi concedido em 1773 à Harrison.[15]O matemático Leonhard Euler (1707-1783) conquistou parte do prêmio[16]. Para Nuno Carvalho a história de John Harrison mostra as dificuldades práticas de se substituir um sistema de patentes por um sistema de premiação para promoção da inovação tecnológica: “a história de John Harrison é testemeunha eloquente de que o Estado deve restringir a sua intervenção na promoção da criação técnica ao mínimo estritamente essencial, pois onde ele se mete começa a corrupção, a intriga, o favorecimento político, em detrimento dos criadores independentes”. [17]O relógio de Harrison desencadeou novos desenvolvimentos na tecnologia de cronômetros, como por exemplo nos projetos de Pierre Le Roy em que ao invés de regular a balança através da alteração do comprimento da mola buscou alterar as resistências oferecidas pela balança. [18]Segundo Jorge Caldeira a invenção do cronômetro e o cálculo da longitude fizeram com que Portugal perdesse o domínio da tecnologia naval por volta de 1660 tornando-se uma potência secundária no cenário europeu.[19]
[1] McCLELLAN III, James; DORN, Harold. Science and technology on world history: an introduction. The Johns Hopkins University Press, 1999, p.268
[2] USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p. 420
[4] MOKYR, Joel. The lever of riches: technological creativity and economic progress, New York:Oxford University Press, 1990, p.69; MOUSNIER, Roland; LABROUSSE, Ernest. História Geral das Civilizações: o século XVIII: o último século do Antigo Regime, tomo V, v.1, São Paulo:Difusão Europeia, 1968, p.121; SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.IV, Oxford, 1958, p.411; DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.305; BOORSTIN, Daniel. Os descobridores. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p. 59
[5] MacLEOD, Christine. Heroes of invention. technology, liberalism and british identity 1750-1914, Cambridge University Press, 2007, p.77
[6] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 203
[7] TREVOR, Williams. História das invenções: do machado de pedra às tecnologias da informação. Belo Horizonte: Gutenberg, 2009, p.121; RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência: Da Renascença à Revolução Científica. v.3, São Paulo:Jorge Zahar, 2001, p.94; BOORSTIN, Daniel. Os descobridores. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p. 265
[8] USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p. 427
[9] PHILBIN, Tom. As 100 maiores invenções da história, Rio de Janeiro:DIFEL, 2006, p.195
[10] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p. 62
[11] MORRIS, Julian, Ideal Matter: a globalização e o debate sobre a propriedade intelectual. Rio de Janeiro:instituto Liberal, 2003 p.46
[12] MacLEOD, Christine. Inventing the industrial revolution: the english patent system, 1660-1800, Cambridge:Cambridge University Press, 1988 p.38, 193
[13] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p. 375
[14] USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p. 422
[15] JAFFE, Adam; LERNER, Josh. Innovation and its discontents: how our broken patent system is endangering innovation and progress, and what to do about it. Princeton University Press, 2007, p. 1599/5128 (kindle version)
[16] SEDGWICK, W.; TYLER, H; BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.323
[17] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 317
[18] USHER, Abbott. Uma história das invenções mecânicas, Campinas:Papirus, 1993, p. 423
[19] CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.95

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