terça-feira, 2 de junho de 2020

A arte da memória

Para Frances Yates a utilização das técnicas de memorização poderiam explicar a transição da maçonaria dita operativa, quando ainda envolvida na transmissão de técnicas de construção, para uma maçonaria especulativa baseada no uso simbólico figurativo arquitetônico do ritual maçônico interessada não na transmissão de conhecimentos técnicos mas na de um ensinamento moral esotérico: “penso que a resposta para esse problema possa vir da história da arte da memória. A memória oculta do renascimento como a vimos no teatro de Camillo e como foi difundida com fervor por Giordano Bruno pode ser a verdadeira fonte de um movimento hermético e místico que não utilizava a arquitetura real da maçonaria operativa como veículo de seus ensinamentos mas sim a arquitetura imaginária ou especulativa da arte da memória. Um exame minucioso do simbolismo das irmandades rosa cruz e da franco maçonaria podem talvez confirmar esta hipótese”. [1]A técnicas de memorização já vinham sendo desenvolvidas na oratória. Cicero mostra ao tratar da memória como uma das cinco partes da retórica a técnica de Simônides que “deduziu que as pessoas que desejassem treinar essa faculdade deveria selecionar lugares e formar imagens mentais das coisas que queriam recordar e guardar essas imagens nos lugares, de modo que a ordem destes se conservasse a ordem das coisas e as imagens das coisas denotassem as próprias coisas e utilizássemos os lugares e as imagens respectivamente como uma tabuinha de cera de escrever e as letras nela escritas”. Quintiliano expande a mesma técnica, por exemplo, ao formarmos uma imagem visual em que depositamos uma lança na sala de estar e uma âncora na sala de jantar, de modo que, mais tarde poderemos recordar que temos de falar primeiro da guerra e epois da marinha porque a sala de estar é o primeiro cômodo da casa[2]. As técnicas de memorização viriam a dar o instrumental teórico necessário para maçonaria poder transmitir suas doutrinas de forma codificada a seus iniciados de modo secreto. Giulio Camilo idealizou um teatro de memória em que todo conhecimento macrocosmico era organizado em um conjunto de imagens (um microcosmo) que poderia ser assimilado por uma so pessoa através da associação de conceitos e lugares. Frances Yates, portanto, estabelece uma ligação entre as técnicas de memória escolásticas, a matemática combinatória de Raimundo Lúlio e a franco maçonaria. A arte da memória pode, portanto, ter desenvolvido a memória oculta renascentista na direção das sociedades secretas ao mesmo tempo em que “anunciam o futuro papel da arte da memória e do lullismo no desenvolvimento do método científico”. [3]
[1] YATES, Frances. A arte da memória. São Paulo:Unicamp, 2007, p.375
[2] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.437
[3] YATES, Frances. A arte da memória. São Paulo:Unicamp, 2007, p.378

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