Os sacerdotes construtores da ponte Sublícia (Sublicius pons) sobre o rio Tibre gozam de respeito mágico religioso, ao qual se atribui o nome de pontífices do latim: pontifex, construtor de pontes") membro do principal colégio (colégio) de sacerdotes[1]. Spencer mostra que no passado a arquitetura constituía uma manifestação do culto votado aos antepassados seja na construção de templos ou túmulos cujo projeto era reservado a sacerdotes que assim se tornaram os primeiros arquitetos[2]. Cerimônias fúnebres domésticas muito antigas eram realizadas nas pontes construídas em madeira, entre elas o sacrifício dos argeus (bonecos de palha atirados no Tibre, representando antigos sacrifícios humanos) durante o festival, realizado em maio conhecido como Lemúria (lêmures - espíritos errantes dos ancestrais mortos) celebrada pelo pater famílias e descrita por Ovídio em Fastos[3]. Em Roma o Colégio de Pontífices (Collegium Pontificum) tinha como líder o pontífice máximo (pontifex maximus)[4] – construtor de pontes[5] e ao qual era atribuído o poder efetivo sobre os assuntos religiosos.[6] Próximo ao Fórum Romano ficava a Régia que servia como santuário sagrado e residência oficial do pontifex maximus ou sumo sacerdote de Roma.[7] No Fórum se encontrava a figueira sagrada de Rômulo adorada até os últimos dias do Império.[8] O Pontifex Maximus era o único depositário da interpretação do direito, antes da instituição dos decênviros em 452 a.c. e também era o responsável para supervisão do calendário[9] - calendas, além de supervisionar os sacrifícios , observar o culto e os registros oficiais do culto estatal bem como designar as Virgens Vestais.[10] Em 304 a.c os plebeus conseguiram quebrar o monopólio até então exercido pelo Colégio dos Pontífices em matéria de interpretação das leis. Os pontífices tinham como uma de suas prerrogativas a organização do calendário com a fixação dos dias em que era permitido tratar as causas em juízo (dies fasti) e os dias em que isso era proibido (dies nefasti).[11] Cabia o pontifex maximus a nomeação dos flamines, os sacerdotes públicos do povo romano e o rex sacrotorum. [12] Quando Augusto em 12.a.c assume o título de pontifex maximus ele pacientemente teria esperado a morte de seu rival Lépido como mostra do respeito que tinha por esse título.[13] O primeiro imperador romano a abandonar o título será o católico Graciano (governou 367-383).
A dificuldade em se estabelecer um calendário é um reflexo da inércia científica romana, a instituição de meses suplementares dependia do colégio de pontífices e era governada por interesses políticos e escrúpulos religiosos o que levava a graves desordens. Os colégios de augures e pontífices eram formados os seis pontífices conhecedores das coisas humanas e divinas que detinham os segredos das medidas e dos numerais e que deviam anunciar o calendário de dias festivos, de lua nova (novilúnio) e lua cheia (plenilúnio).[14] Em 45 a.c. com a ajuda de sábios alexandrinos do Egito entre os quais Sosígenes, o imperador Júlio César impôs uma reforma no calendário que fixava a duração do ano em 365 dias e um quarto. Pelo calendário anterior o ano tinha apenas 355 dias o que faiz com que as festas da colheita caíssem em época em que os cultivos ainda estavam crescendo.[15] Na Reforma de Julio Cesar e a introdução do calendário juliano foi estabelecido que o primeiro dia do ano não seria o primeiro dia do solstício de inverno, ou seja, em 25 de dezembro mas na primeira lua nova após esta data que naquele ano ocorreu oito dias após ou 1 de janeiro.[16] Este ano extraordinário compreendeu um período de 445 dias de 13 de outubro de 47 a.c. a 3 de dezembro de 46 a.c. Este ficou conhecido como “ano da confusão”.[17]
Com a morte de César em 44 a.c. e sem poder controlar a fixação do primeiro ano bissexto (sendo 24 de fevereiro o sexto dia antes das calendas de março, o dia 25 adicional a ser inserido no calendário a cada quatro anos passou a ser conhecido como “sexto repetido”). Os pontífices acabaram interpretando de forma errada o texto do decreto a criaram o primeiro ano bissexto a um intervalo a cada três anos ao invés de quatro anos, sendo necessários mais cinquenta e dois anos para corrigir o erro. [18]
[1] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 101
[2] FILHO, Adolfo Morales de los Rios. Teoria e filosofia da arquitetura, Rio de Janeiro: A Noite, 1955, p. 99
[3] BUSTAMANTE, Regina. Lemuria: apaziguando os mortos malfazejos na Roma Antiga. PHOÎNIX, Rio de Janeiro, 20-2: 109-128, 2014 https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/35015/1/Phoinix_20.2_artigo8.pdf?ln=pt-pt https://pt.wikipedia.org/wiki/Ponte_Subl%C3%ADcio
[4] BONILLA, Luis. Breve historia de la técnica y del trabajo, Madrid:Ed. Istmo,1975, p.113; MATTOSO, Antonio. História da civilização, Lisboa:Ed Sá da Costa, 1952, p.382
[5] CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 204
[6] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.69
[7] Time Life. Roma: ecos da glória imperial, Rio de Janeiro:Abril, 1998, p. 24
[8] FRAZER, James. O ramo de ouro, São Paulo: Círculo do Livro, 1978, p. 58
[9] DEARY, Terry. Terríveis romanos. São Paulo:Melhoramentos, 2002, p. 102
[10] BOORSTIN, Daniel. Os investigadores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.102
[11] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 260
[12] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 299
[13] AYMARD, André; AUBOYER, Jeannine. Roma e seu Império, tomo II, V. 2, São Paulo: Difusão, 1963, p. 41; KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo testamento, V.I, São Paulo: Paulus, 2005, p. 43; KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo testamento, V.I, São Paulo: Paulus, 2005, p. 310
[14] ONCKEN, Guilhermo. História Universal – História de Grécia e Roma, Francisco Alves:Rio de Janeiro, v.IV, p.621
[15] BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga, São Paulo: Planeta, 2010, p. 287
[16] MOURÃO, Rogério Freitas. Dicionário enciclopédico de astronomia e astronáutica, Rio de Janeiro,Nova Fronteira, 1987, p. 417
[17] MOURÃO, Rogério. Dicionário de astronomia e aeronáutica, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.40
[18] AYMARD, André; AUBOYER, Jeannine, Roma e seu império, História Geral das Civilizações, São Paulo:1974, p. 236
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