domingo, 10 de abril de 2022

Reco, reco Cristo

 

Para Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil: “as instituições sofrem de artificialismo de origem, nascendo mais por enxerto do que nutridas por solo natural”[1]. Katia Mattoso (figura) registra o comportamento de escravos negros cristianizados que assistiam missas em latim da qual pouco entendiam o conteúdo e repetiam a mensagem do Cristo Ressuscitado “Ressurrectus Cristus dixit” como “reco, reco Cristo disse”.[2] Para o sociólogo Roberto Schwarz vivemos o desconforte intelectual de experimentarmos “ideias fora do lugar”, a realidade da escravidão nos coloca sujeitos a uma “comédia ideológica”, um verdadeiro “quiproquó das ideias”, na medida em que ao utilizarmos do ferramental ideológico liberal europeu nos distanciamos da realidade local: “a declaração dos direitos do homem, por exemplo, transcrita em parte na Constituição brasileira de 1824, não só não escondia nada, como tornava mais abjeto o instituto da escravidão”.[3] Emília Viotti mostra que o artigo 179 da Constituição de 1824  ao conferir a liberdade e a igualdade como direitos inalienáveis do homem ignorava sumariamente a escravidão.[4]

[1] FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, v.2, São Paulo:Ed. Globo, 2000, p.386

[2] VAINFAS, Ronaldo. Perfis brasileiros: Antonio Vieira. São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 60

[3] SCHWARCZ, Roberto. As ideias fora do lugar. Cadernos CEBRAP, n.3, 1973

[4] LESSA, Ricardo. Brasil e Estados Unidos: o que fez a diferença, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2008, p.128



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