sábado, 19 de março de 2022

O mito do Brasil como terra paradisíaca

 

Para Afonso Arinos em O índio e a revolução francesa (1937) e Sérgio Buarque de Holanda em Visão do Paraíso (1959) o mito do “bom selvagem” tem uma origem portuguesa, a partir do imaginário europeu no final do Renascimento e inflamado pelos relatos dos primeiros viajantes. Sérgio Buarque de Holanda mostra em Visão do Paraíso como os mitos de Eden e da busca do Paraíso povoaram o imaginário de portugueses e espanhóis: “essa psicose do maravilhoso não se impunha só a singeleza e credulidade da gente popular. A ideia de que do outro lado do Mar Oceano se acharia, senão o verdadeiro Paraíso terrestre, sem dúvida um símile em tudo digno dele, perseguia, com pequenas diferenças, a todos os espíritos”.[1] Lemos Brito observa que Portugal importou milhares de índios para trabalho escravo em Lisboa, podendo cada donatário exportar trinta índios por ano sem ter de pagar qualquer imposto, o que revela que Portugal na época não considerava os índios indolentes.[2]  Dentro deste conceito de paraíso terrestre Montaigne se  refere à vida entre os indígenas: “Dizem que no Brasil as pessoas só morrem de velhice, o que se atribui à pureza e à calma do ar que respiram, e que, a meu ver, provém antes da serenidade e da tranquilidade de suas almas isentas de paixões, de desgostos, de preocupações que excitam e contrariam. Ignorantes, iletrados, sem lei nem rei, nem religião alguma, sua vida desenvolve-se numa admirável simplicidade”. Antonio Vieira retornou à Bahia, em 1681, já com setenta de três anos, pois acreditava que ao passar a velhice no Brasil poderia viver mais tempo. Ainda em 1756 Voltaire alimentava tais expectativas: “Vespúcio chegou às coisas do Brasil situadas perto do equador. È o terreno mais fértil da Terra, o ceu mais puro e o ar mais saudável. A vida dos homens, limitada por toda a parte a oitenta anos, no máximo, estende-se geralmente entre os brasileiros a cento e vinte e oito, às vezes até cento e quarenta anos. Ainda hoje , vêem-se portugueses decrépitos embarcarem em Lisboa e rejuvenescerem no Brasil”.[3]  Com os jesuítas, por sua vez, acaba o mito do Paraíso. O padre Luis da Fonseca em “Informação da Província do Brasil” encarava os índios não como “bons selvagens” mas como integrantes de uma nova Babilônia: “É uma terra desleixada e remissa e algo melancólica e por esta causa os escravos e índios trabalham pouco e os portugueses quase nada e tudo se leva em festas, convícios, cantares, etc e uns e outros são muito dados a vinhos e facilmente se tomam dele”.[4]

[1] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 2000, p.221

[2] BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.138

[3] GIANNETTI, Eduardo. O livro das citações, São Paulo: Cia das Letras, 2008, p.328

[4] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 40



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