Para
Afonso Arinos em O índio e a revolução francesa (1937) e Sérgio Buarque
de Holanda em Visão do Paraíso (1959) o mito do “bom selvagem”
tem uma origem portuguesa, a partir do imaginário europeu no final do
Renascimento e inflamado pelos relatos dos primeiros viajantes. Sérgio Buarque
de Holanda mostra em Visão do Paraíso como os mitos de Eden e da busca
do Paraíso povoaram o imaginário de portugueses e espanhóis: “essa psicose
do maravilhoso não se impunha só a singeleza e credulidade da gente popular. A
ideia de que do outro lado do Mar Oceano se acharia, senão o verdadeiro Paraíso
terrestre, sem dúvida um símile em tudo digno dele, perseguia, com pequenas
diferenças, a todos os espíritos”.[1] Lemos Brito observa que Portugal importou milhares de índios para trabalho
escravo em Lisboa, podendo cada donatário exportar trinta índios por ano sem
ter de pagar qualquer imposto, o que revela que Portugal na época não
considerava os índios indolentes.[2] Dentro deste conceito de paraíso terrestre Montaigne se refere à vida entre os indígenas: “Dizem
que no Brasil as pessoas só morrem de velhice, o que se atribui à pureza e à calma
do ar que respiram, e que, a meu ver, provém antes da serenidade e da
tranquilidade de suas almas isentas de paixões, de desgostos, de preocupações
que excitam e contrariam. Ignorantes, iletrados, sem lei nem rei, nem religião
alguma, sua vida desenvolve-se numa admirável simplicidade”. Antonio Vieira
retornou à Bahia, em 1681, já com setenta de três anos, pois acreditava que ao passar
a velhice no Brasil poderia viver mais tempo. Ainda em 1756 Voltaire alimentava
tais expectativas: “Vespúcio chegou às coisas do Brasil situadas perto do
equador. È o terreno mais fértil da Terra, o ceu mais puro e o ar mais
saudável. A vida dos homens, limitada por toda a parte a oitenta anos, no
máximo, estende-se geralmente entre os brasileiros a cento e vinte e oito, às
vezes até cento e quarenta anos. Ainda hoje , vêem-se portugueses decrépitos
embarcarem em Lisboa e rejuvenescerem no Brasil”.[3] Com os jesuítas, por sua vez, acaba o
mito do Paraíso. O padre Luis da Fonseca em “Informação da Província do
Brasil” encarava os índios não como “bons selvagens” mas como integrantes
de uma nova Babilônia: “É uma terra desleixada e remissa e algo melancólica
e por esta causa os escravos e índios trabalham pouco e os portugueses quase
nada e tudo se leva em festas, convícios, cantares, etc e uns e outros são
muito dados a vinhos e facilmente se tomam dele”.[4]
[1] HOLANDA, Sérgio Buarque
de. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 2000, p.221
[2] BRITO, José Gabriel
Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v.
155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.138
[3] GIANNETTI, Eduardo. O
livro das citações, São Paulo: Cia das Letras, 2008, p.328
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