segunda-feira, 7 de março de 2022

O fogo grego

 

Segundo o primeiro livro de Reis o profeta judeu Elias diante dos profetas de Baal lançou o desafio ao qual aquele que construísse um altar que sob invocação seu Deus respondesse com fogo seria a prova de seu poder. Os profetas de Baal não tiveram qualquer resposta de seu Deus. Elias, por sua vez, juntou doze pedras e com elas edificou um altar dispondo-o sobre pedaços de lenha. E encheu quatro cântaros de água lançando a água sobre o altar: “Então caiu fogo do Senhor, e consumiu o holocausto, e a lenha, e as pedras, e o pó, e ainda lambeu a água que estava no rego” (1 Reis 18:38). O fogo em um altar embebido em água não teria acendido o altar, no entanto, uma reação química poderia explicar o fenômeno. Em um documento do ano 232 a.c. Júlio Africano em Jerusalém no livro The Cestus fala de um fogo espontâneo resultado de uma mistura de nafta, enxofre e cal. Plínio e Lívio no século I também se referem sobre a mistura que acendia com água. Tim Gallacher da Universidade de Bristol mostra que a mistura de cal, enxofre e nafta poderia reproduzir o fogo automático. Uma reação inicial de água e cal produz grande quantidade de calor numa reação exotérmica que poderia iniciar fogo quando misturada a nafta e enxofre, o que poderia explicar o fenômeno descrito por Elias, que seguindo as instruções recebidas de Deus teria colocado em execução uma reação química com substâncias que agiriam em sua forma natural sem qualquer milagre entendido como rompimento com as leis da natureza, que poderia ser reproduzido desde que seguindo o mesmo método.[1]

Frances Gies aponta que se o estribo teve um grande impacto no Ociente o “fogo grego”[2], uma espécie de arma incendiária, teve também um papel importante na defesa do império bizantino, sendo utilizado com grande efeito contra as frotas islâmicas no primeiro e segundo cercos de Constantinopla em 678 na vitória de Constantino Pogonato sobre os árabes.[3] Dispositivos engenhosos foram inventados para o lançamento do fogo grego contra o inimigo já utilizavam a nafta  no século IV a.c.. O historiador James Riddick Partington sugere ser provável que o fogo grego tenha sido inventado pelos alquimistas em Constantinopla a partir de descobertas da escola de Alexandria.[4] Robert Fossier observa que o fogo grego já era utilizado pelos assírios na antiguidade[5]. O refugiado sírio Teófanes Calínico teria trazido os segredos da preparação do fogo grego de Alexandria e aperfeiçoado o produto conseguindo expulsar os árabes invasores de Constantinopla em 673 [6] e novamente em 717.

[1] The history channel Brasil. EPISÓDIO COMPLETO: INVENTOS DA ANTIGUIDADE - A ciência contida na Bíblia | HISTORY https://www.youtube.com/watch?v=3UqAAnSWjSg&t=513s

[2] PASQUALE, Giovanni Di. Bizâncio e a técnica. IN: ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.477

[3] SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.II, Oxford, 1956, p.375; READERS'S DIGEST. Da idade do ferro à idade das trevas: de 1200 a.c. a 1000 d.c, Rio de Janeiro, 2010, p.135; TATON, René. A ciência antiga e medieval: a idade Média, tomo I, livro 3, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 83

[4] https://pt.wikipedia.org/wiki/Fogo_grego

[5] FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p.219

[6] CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 289




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...