quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

O trabalho na agricultura no Portugal do século XV

 

Oliveira Martins observa que na península ibérica se desenvolveram duas correntes: uma forma feudal patriarcal e uma forma democrática municipal, comunal: “ao feudalismo peninsular faltam decerto caracteres jurídicos do tipo histórico: mas é fora de dúvida que em Espanha, na Idade Média, houve ao lado de um sistema comunal, um sistema feudal, se a estas expressões dermos um valor político e não particularmente jurídico”.[1] Oliveira Marques, por sua vez, mostra que devido a pequena área de Portugal não foi possível desenvolver totalmente uma estrutura feudal com autonomia dos senhores feudais, de modo que em todos os senhorios o rei detinha a última palavra[2]. A Espanha foi conquistada pelos muçulmanos um século antes de Carlos Magno formar o feudalismo europeu, o que levou a inserção tardia de Portugal e Espanha ao movimento europeu. Em Portugal a reconquista do sul do Algarve em 1249 foi muito mais rápida do que o caso espanhol e levou a um reforço do poder real como os casa de Bragança[3]. Lemos Brito destaca que se no feudalismo a exploração do colono agrícola em regime de servidão era severa, em Portugal isso seria ainda mais rigoroso por conta do domínio árabe e com isso levou a uma inércia e hostilidade do português à agricultura em tal período medieval. Fortunato de Almeida em História de Portugal escreve “a população portuguesa não era diligente nos trabalhos agrícolas”. Nicolau Clenardo destaca: “Se a agricultura alguma vez foi desprezada é de certo nos lugares que habito [Portugal]. O que em outra parte se reputa o nervo principal das nações, aqui olha-se como insignificante ou inútil”.[4] Para o português João Tierno: “No período inicial de nossa existência como nação, vimo-nos forçados a uma luta de mais de dois séculos para mantermos uma autonomia artificial, dificilmente explicável, e mal podíamos olhar para os interesses da agricultura. Consolidada a independência, apertados como estávamos entre o mar e um país forte e despeitado, estendidos ao comprido sobre uma estreita faixa de território quase todo árido e improdutivo, fomos fatalmente impelidos para esse oceano lendário e misterioso”. Lúcio de Azevedo registra que ao tempo de João II não cessavam as queixas contra a falta de trabalhadores na agricultura e sem sucesso pedem a aprovação de leis que impeçam os filhos de agricultores exercerem outro trabalho que não o da agricultura. Em 1473 os lavradores pedem as Cortes que não se deixe levar os negros vindos da Guiné pois eram fundamentais para o trabalho na agricultura.[5]



[1] MARTINS, Oliveira. História da civilização ibérica, Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 180

[2] MARQUES, Oliveira. Brevíssima história de Portugal, Rio de Janeiro: Tinta da China, 2016, p. 38

[3] ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 191

[4] BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica, Brasiliana v.155, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1980, p.5

[5] AZEVEDO, Lúcio. Épocas de Portugal Econômico, Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1929, p. 20



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