quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

A posse de escravos como elemento de diferenciação social

 

Estudos de Rae Jean Dell Flory[1] e Stuart Schwartz mostram que a regra no Brasil colónia não eram engenhos como centenas de escravos, mas uma pluralidade de unidades menores, a situação do proprietário menor com poucos escravos era dominante entre os plantadores de cana: “havia muito mais mercado interno e mobilidade social que as indicadas em hipóteses diretamente montadas sobre latifúndio”[2] dado confirmado na tese de Claudia Fuller de 1995 sobre os pequenos agricultores na economia açucareira.[3] Robert Slenes mostra que 64% das propriedades (chamadas fogos) com escravos em 1829, e provavelmente uma proporção ainda maior em 1872, tinham menos de dez cativos[4]. Nos documentos do século XIX a palavra negro foi utilizada na linguagem coloquial como sinônimo de escravo ou ex-escravo, sendo que o africano era comumente chamado de “preto” e o cativo nascido no Brasil  conhecido como “crioulo”[5]. Apesar disso, 41% da população livre do Império, recenseada em 1872, era formada por descendentes de africanos. Peter Eisenberg mostra que no município de Escada em Pernambuco dos 84 engenhos registrados no decênio de 1850 apenas 15% tinham mais de 3 mil hectares, sendo que a média das propriedades não açucareira é ainda menor, cerca de vinte vezes em relação aos engenhos de açúcar.[6] Jorge Caldeira estima que a imensa maioria dos proprietários rurais tinha menos de cinco escravos.[7] Manolo Florentino (figura), contudo, mostra que entre 1790 e 1835 as propriedades rurais com mais de cinquenta escravos (plantations) concentravam em um e dois terços do total de escravos. Quase todos os homens livres inventariados na pesquisa eram proprietários de pelo menos um escravo.[8] Manolo Florentino e José Góes mostram que o mercado de escravos baseado no tráfico transatlântico era extremamente desigual, pois o alto custo destes escravos afastava o pequeno proprietário: “em última instância, o tráfico destinava-se a abastecer de escravos não a sociedade como um todo, mas sim a uma elite que, por meio dele, reproduzia seu lugar social e, desse modo, reiterava a sua distância em relação a todos os outros homens livres”[9]. Na pesquisa em inventários do Rio de Janeiro de 1790-1830 Manolo Florentino e João Gois encontram apenas 4% dos inventariados que não tinham escravos, sendo claramente assimétrico o acesso a tais escravos o que reforçava a posição social de uma elite mostrando se tratar muito mais do que uma sociedade possuidora de escravos, mas uma sociedade escravista, que usa a posse de escravos como elemento de diferenciação social. A plantation com mais de 20 escravos representava cerca de 50% dos engenhos inventariados no período de 1790-1807 aumentando para 75% no período de 1826-1830 quando o desembarques de escravos africanos aumenta significativamente o que mostra eu esse aumento não se distribui de modo uniforme entre os diferentes proprietários.  Um relatório do marquês de Lavradio na capitania do Rio de Janeiro informava que os engenhos com mais de 41 escravos detinham 55% dos escravos rurais, ainda que o número médio de escravos por engenhos fosse menor do que o observado em outras regiões como a Bahia. Os dados de 1790-1835 de Manolo Florentino para o meio rural do rural do Rio de Janeiro mostram que a participação da faixa dos engenhos com mais de cinquenta escravos passou de um terço do total de escravos em 1790 para dois terços em 1835, ou seja, houve um aumento desta concentração da participação das plantations.[10] Na mineração de Minas Gerais, Flávia Reis mostra que apenas 8,3% das unidades mineradoras possuíam mais de 100 escravos, a grande maioria (75%) possuía até 30 escravos apenas, ainda que existissem muito mais escravos trabalhando do que o sugerido pelos plantéis encontrados nos inventários dos mineradores. [11]

[1] CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.115

[2] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.116, 122

[3] CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.272

[4] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p.204

[5] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p.300

[6] EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco 1840-1910. São Paulo: Unicamp, 1977, p.151

[7] CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.161

[8] GOMES, Laurentino. Escravidão v. II, Rio de Janeiro:GloboLivros, 2021, p. 108

[9] FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz das senzalas. São Paulo: Unesp, 2017, p.48

[10] FLORENTINO, Manolo. Em costas negras, São Paulo: UNESP, 2014, p. 28

[11] REIS, Flavia Maria da Mata. Entre faisqueiras, catas e galerias: explorações do ouro, leis e cotidiano nas Minas do século XVIII (1702-1762). Dissertação de mestrado, História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, 2007, p.234



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