quarta-feira, 10 de novembro de 2021

A unidade da Europa medieval e a ascenção dos idiomas locais

 

Em 813 o concílio de Tours[1] e em 847 o de Mogúncia ordenaram os bispos a tradução das homillias em romano rústico ou em alemão para que fossem compreendidas pelo povo (ad popolum), o que marcou a “certidão de nascimento das línguas nacionais”.[2] Ainda em 1200 haviam cinco dialetos na área onde hoje existe a França. Quando o império romano estava em seu apogeu, somente a elite culta sabia o latim clássico, sendo que a maioria das pessoas falava uma versão coloquial do latim falado. O primeiro escrito numa língua francesa distinta do latim foram os "Juramentos de Estrasburgo” (Sacramenta Argentariae) de 842 assinado entre Carlos o Calvo e Luís o Germano foram assinados em um protofrancês romântico e num protogermânico teutônico, respectivamente.[3] Existem textos mais antigos atestando a existência de uma língua românica falada na França, como os Gloses de Cassel (por volta do século VIII ou IX) ou os Gloses de Reicheneau (século VIII), no entanto, são meros glossários, listas de palavras, e não propriamente um texto completo.[4] O epitáfio do papa Gregório V em 999 sinaliza a mesma ideia: “ele ensinou os povos por meio de uma tríplice eloquência, usando o francês, o vulgar e o latim”. No Concílio de Arras em 1025 os hereges não compreenderam a profissão de fé proposta em latim sendo necessário tradutores.[5] Em 1095 o bispo Winston estava separado do Conselho do rei da Inglaterra porque não sabia falar francês. Os poemas conhecidos com canções de gesta eram escritos em língua vulgar e apareceram na França no século XI.[6] Em 1275 Martins de Canale escreve em francês a história de Veneza[7]. As crônicas de Villehardouin e de Joinville foram escritas em francês como as trovas Roman de la Rose e Roman de Renart. O dominicano Henrique Suso (1295-1366) foi pioneiro no uso do alemão na pregação[8]. A Grande Crônica Saxônia foi escrita em alemão em 1248 [9]. Segundo Marc Bloch: “não há nada mais absurdo do que confundir a língua com nacionalidade. Mas não o seria menos negar o seu papel na cristalização das consciências nacionais”.[10] Daniel Boorstin mostra que o latim uniu a comunidade culta da Igreja e das universidades medievais permitindo o intercâmbio de professores e alunos entre Bolonha, Heildelbrg e Praga, por exemplo: “pela primeira vez o continente tinha uma só língua do saber”.[11] Seria, contudo, um erro considerar o latim de uso exclusivo dos clérigos, pois entre os clérigos difundiram-se obras como textos de Aelfrico de Eynsham dos Evangelhos em fins do século X escrito em francês antigo.[12] Daniel Rops observa que as ascensão dos idiomas nacionais está relacionado ao mesmo movimento que irá conduzir a ascensão das nacionalismos e a uma fragmentação política que assim como a fragmentação religiosa com a Reforma irá ameaçar a unidade da Europa no período medieval. [13]

[1] JUNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 99; BATANY, Jean. Escrito/oral. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 431

[2] JUNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 132; BEAULIEU, Marie-Anne.Pregação. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 412

[3] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.469

[4] https://pt.wikipedia.org/wiki/Juramentos_de_Estrasburgo

[5] CANTU, Cesare. História Universal, volume XIV, São Paulo:Editora das Américas, 1955, p. 383

[6] GONTIJO, Silvana. O mundo em comunicação, Rio de Janeiro:Aeroplano, 2001, p.83

[7] CANTU, Cesare. História Universal, volume XIV, São Paulo:Editora das Américas, 1955, p. 393

[8] COSTA, José Silveira da. A escolástica cristã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.172

[9] ROPS, Daniel. A Igreja das catedrais e das cruzadas. São Paulo: Quadrante, 2012, p. 628

[10] BLOCH, Marc. A sociedade feudal, Lisboa:Edições 70, 1982, p.477

[11] BOORSTIN, Daniel. Os criadores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1995, p.444

[12] LOBRICHON, Guy. Bíblia. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 130

[13] ROPS, Daniel. A Igreja das catedrais e das cruzadas. São Paulo: Quadrante, 2012, p. 629



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