segunda-feira, 4 de outubro de 2021

A industrialização de São Paulo e os cafeicultores

 

A grande expansão cafeeira da década de 1890 em São Paulo, em espacial do Oeste paulista,  foi realizada com base na imigração de 800 mil europeus, principalmente italianos, portugueses e espanhóis e tendo como capital inicial a anterior atividade açucareira local. Wilson Cano mostra que o café possibilitou a acumulação de capital necessária para o fomento das primeiras atividades industriais que se desenvolveram antes da década de 1930, de modo que se observou nesta fase uma subordinação da expansão industrial ao capital cafeeiro. Os próprios fazendeiros investiam seus lucros em indústrias diretamente ou indiretamente através do sistema bancário. Por exemplo, o Banco União de São Paulo, fundado por fazendeiros investiu na extração de mármore, na fábrica de calçados União e na fábrica de tecidos Votorantim[1]. Em 1901 Antonio Francisco Bandeira Junior relata a proliferação das pequenas manufaturas nas cidades: “é incalculável o número de tendas de sapataria, mercearias, fábricas de massas, de graxa, de óleos, de tintas de escrever, fundições, tinturarias, fábricas de calçados, manufaturas de roupas e chapéus, que funcionam em estalagens, em fundos de armazéns, em resumo: em lugares que o público não vê”.[2] Muitas destas iniciativas industriais são de imigrantes como Francisco Matarazzo, José Pereira Ignacio, Ernesto Diederichsen, Egydio Gamba, os irmãos Puglini Carbone, os Jaffet, Rodolfo Crespi[3], os Hermann Hering[4], Jorge Street e Nicolau Scarpa em tecelagens, Abramo Eberle em funilaria[5], os Klabin em papel, Otto e Alfreid Weiszflog em papel (Melhoramentos)[6], a ponto de Francisco Matarazzo afirmar: “O Brasil é filho de Portugal, mas São Paulo é filha da Itália”. Warren Dean mostra que esses pioneiros estrangeiros eram em sua grande maioria vindos de família de classe média e tinham instrução técnica ou experiência no comércio ou manufatura antes de virem ao Brasil. Algumas poucas exceções haviam ascendido  como operários de fábricas e mascates como Dante Ramenzoni fabricante de chapéus e Nicolau Scarpa dono de moinhos e fábricas de tecidos. Para Warren Dean há uma forte correlação entre o comércio exterior, sobretudo o de importação, e a origem da industrialização, em especial por parte da chamada “burguesia imigrante” de modo que o café, principal produto da pauta do comércio exportador tinha um papel importante na capitalização destas atividades industriais pioneiras. Esta tese se opõe a de Roberto Simonsen que entendia haver um grande obstáculo da produção cafeeira à industrialização ou a Jacob Gorender que entendia estar no artesanato local a matriz dos primeiros empreendimentos industriais.[7] Warren Dean contesta a tese de que os investimentos de cafeicultores na indústria se deram por conta da retração no comércio internacional de café, tal como se encontra em autores nacionalistas como Roberto Simonsen ou Celso Furtado. Wilson Cano, contudo, observa que Warren Dean fez uma leitura errada destes autores, pois na medida em que a industrialização avança o comércio externo muda de papel e passa a ser estratégico para a capacidade de importar. Desta forma até 1930 a industrialização de fato surge como um processo induzido pela exportações de café, mas a partir desta década inicia-se uma etapa em que a industrialização tem como efeito motriz um processo de substituição de importações.[8]

[1] CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo, São Paulo: Difel, 1977, p.85, 115, 129

[2] Nosso Século 1900-1910, São Paulo:Abril Cultural, p.148

[3] DEAN, Warren. A industrialização durante a República Velha. In: In: FAUSTO, Boris. O Brasil Republicano, tomo III, v. I Estrutura de poder e economia (1889-1930), São Paulo:Difel, 1977, p.270

[4] Nosso Século 1910-1930, v.1, São Paulo:Abril Cultural, p.98; NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p.282

[5] Nosso Século 1910-1930, v.2, São Paulo:Abril Cultural, p.14; https://pt.wikipedia.org/wiki/Abramo_Eberle

[6] LUCA, Tania Regina. Indústria e trabalho na história do Brasil, São Paulo: Contexto, 2001, p. 22

[7] CARVALHO, José Murilo. A construção nacional 1830-1889, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 215

[8] CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo, São Paulo: Difel, 1977, p.132



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