sábado, 4 de setembro de 2021

O sexo dos metais na alquimia

 

A sacralidade do ferro tem sua origem no ferro obtido de meteoros, sua origem celestial. A palavra suméria ambar, o vocábulo mais antigo a designar o ferro é formado pelos ideogramas do céu e do fogo. [1] Na concepção vitalista presente na alquimia a sexualidade é um sinal particular de toda e qualquer realidade viva, de modo que tanto o mundo natural, vegetais e e minerais incluídos como os objetos e ferramentas fabricados pelo homem apresentam-se como sexuados. A classificação sexual dos minerais e das pedras foi preservadas nos escritos alquimistas medievais que se se referem por exemplo ao lapis judaicus como macho ou fêmea[2]. O casamento de metais se realiza no mysterium coniunctionis da alquimia. Ibn Sina ou Avicena no século X afirmava: “o amor romântico não é exclusivo da espécie humana, penetra em tudo o que existe ao nível celeste, elementário, vegetal e mineral, e o seu sentido não é percebido nem conhecido, mas torna-se mais obscuro á medida que vamos tentando explica-lo”.[3] O nome sânscrito da esmeralda é amagarbhaja ou “nascido da rocha”. Segundo Colbus Fribergius citado por Agrícola no seu livro De re metallica do século XVI havia uma crença muito difundida na idade média de que os minerais são produzidos pela união de dois princípios o enxofre (princípio fixo, semente masculina) e o mercúrio (princípio volátil, semente feminina). Paracelso introduziu um terceiro princípio, o sal com a função de unir o enxofre ao mercúrio. A salga da carne impedia a deterioração da carne porque impedia que enxofre e sal se separassem.[4] Na alquimia em oposição aos planetas masculinos Sol (ouro), Marte (ferro), Júpiter (estanho) e aos planetas femininos Lua (prata), Vênus (cobre), Saturno (chumbo), o Mercúrio (mercúrio) era interpretado como hermafrodita e, portanto, desempenha um importante papel mediador dos contrários em todas as práticas alquímicas.[5] O mercúrio aparece em muitos tratados alquímicos associado ao cisne como símbolo da mediação entre a água e o fogo.[6] Segundo Jung o significado da palavra “mercurius” não designa apenas o elemento químico, o planeta Mercúrio ou o Deus Hermes, mas também a “secreta substância transformadora que é ao mesmo tempo o espírito inerente a todas as criaturas vivas”[7]. A prata cresce sobre a influência da Lua[8], o ouro do Sol, o cobre pela influência de Vênus, ferro por Marte, mercúrio por Mercúrio, Jupiter o estanho, e o chumbo por Saturno, sendo esta associação das influências dos astros proveniente de doutrinas astrológicas da Babilônia.[9] A tradição hermética do século XVI associa os planetas  aos órgãos do corpo humano Saturno (baço), Júpiter (fígado), Marte (estômago), Sol (coração), Vênus (rins), Mercúrio (pulmões) e Lua (cérebro).   Oger Férier no mesmo século XVI por sua vez se refere ao estômago como sob influência de saturno enquanto os rins de Marte e Vênus, os pulmões de Júpiter enquanto que Mercúrio teria influência sobre as mãos e os pés [10]. A alquimia caberia apenas acelerar um processo natural de transmutação, de modo que os metais se deixados nas minas invariavelmente se converteriam em ouro ao longo de milênios. No Summa Perfectionis um tratado de alquimia do século XIV por muito tempo atribuído incorretamente a Geber “o que a natureza não é capaz de aperfeiçoar num largo espaço de tempo, podemos, com a nossa arte, levar a termo em pouco tempo”.[11] Para Geber se a natureza possibilitava a transformação de um verme em uma mosca então o alquimista seria capaz de ajudar a natureza transformar chumbo em ouro, a natureza não detinha o monopólio da transformação das formas.[12]

[1] ELIADE, Mircea. Ferreiros e alquimistas. Rio de Janeiro:Zahar, 1979, p.19

[2] ELIADE, Mircea. Ferreiros e alquimistas. Rio de Janeiro:Zahar, 1979, p.31

[3] ELIADE, Mircea. Ferreiros e alquimistas. Rio de Janeiro:Zahar, 1979, p.32

[4] MACHADO, Jorge. O que é alquimia ? Coleção primeiros passos, São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 38

[5] LEXIKON, Herder. Dicionário de símbolos, São Paulo:Cultrix, 1990, p. 138

[6] LEXIKON, Herder. Dicionário de símbolos, São Paulo:Cultrix, 1990, p. 60

[7] JUNG, Carl. Psicologia e alquimia, v.12. Petropolis:Vozes, 1992, p. 38 

[8] FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 280; BELL, Madison Smartt. Lavoisier no ano um. São Paulo: Cia das Letras, 2007, p. 46; WEST, John Anthony. Em defesa da astrologia, São Paulo:Siciliano, 1992, p. 86

[9] ELIADE, Mircea. Ferreiros e alquimistas. Rio de Janeiro:Zahar, 1979, p.40; PAPUS, Tratado elementar de magia prática, São Paulo:Pensamento, 1978, p. 232

[10] PAPUS, Tratado elementar de magia prática, São Paulo:Pensamento, 1978, p. 248

[11] ELIADE, Mircea. Ferreiros e alquimistas. Rio de Janeiro:Zahar, 1979, p.42

[12] HOOYKAAS, R. A religião e o desenvolvimento da ciência moderna, Brasília:UNB, 1988, p.83



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