Na especialização que havia nos engenhos os escravos
mais valorizados eram os que trabalhavam na purga, mestres de açúcar,
supervisores, carpinteiros, ferreiros e ferramenteiros.[1] Stuart
Schwartz (figura) mostra que o treinamento em ocupações especializadas na indústria de
açúcar ou em ofícios como carpintaria, caldeireiro, calafates, carreiros,
tacheiros, marinheiros, lenhadores, ferreiros, marceneiros, entre outros[2] permitia
o escravo juntar um pecúlio, que poderia usar para compra de sua alforria o que
servia como instrumento para adquirir maior produtividade, embora os dados
disponíveis indiquem que o número de alforriados sempre foi muito baixo,
inferior a 1% [3] e
ainda assim o escravo alforriado corria o risco de ser reescravizado.[4] Segundo Robert
Slenes no início da década de 1870 a estimativa para “todo o Brasil” de 6,3
escravos alforriados a cada 1000 (ou seja, 0,63%) é para as treze províncias
que oferecem dados; para São Paulo e Rio de Janeiro, as estimativas são de 4,8
e 3,4/1000. Estas estimativas são subestimativas, pois os dados oficiais sobre
alforrias são menos completos do que os dados sobre população.[5] No
convento do Carmo em Salvador há o registro de um escravo alforriado que foi
reescravizado por calúnias proferidas quanto a seus antigos proprietários
religiosos. [6] John
Mawe em visita a Minas Gerais observa que os escravos recebiam um prêmio ao
encontrar um diamante: “quando uma gema entre oito e dez quilates é
encontrada, o negro recebe duas camisas novas, um terno completo, com chapéu e
uma bonita faca”[7], em
alguns casos o escravo era alforriado por ter encontrado determinada quantidade
ou valor em ouro ou diamantes.[8] Nesses
casos conforme previa a legislação em vigor, o proprietário seria indenizado
pelas autoridades em 400 mil reis.[9] Por volta
de 1780 havia no Brasil cerca de 400 mil negros libertos o que correspondia a
cerca de um quarto de toda a população escrava. Em 1800 esse percentual aumenta
para 30%.[10] O
forro Antonio Alves Guimarães deixou patrimônio avaliado em 412 mil reis[11]. Jorge
Caldeira cita a taxa brasileira de alforriados de 5% a meio caminho entre Cuba
com 13% e Estados Unidos com 1%.[12] Robert Slenes
mostra que a taxa de alforriados no Império (0,63%) era cerca de catorze vezes
maiores do que no sul dos Estados Unidos por volta de 1850. Stuart Schwartz
destaca o mito ainda persistente de que os arquivos da escravidão foram todos
destruídos. A coleção notarial da cidade de Salvador inclui 1.384 volumes que
cobrem o período de 1664 a 1915. Apesar de algumas lacunas, a série é
virtualmente contínua de 1684 até o fim da escravidão em 1888. Entre 1684 e
1745, 48 por cento (553/1160) das alforrias amostradas foram obtidas mediante
pagamento ao proprietário de escravos ou seus representantes legais, de modo
que há uma relação direta das alforrias com o preço dos escravos no mercado. Stuart
Schwartz mostra que em 3% dos casos estas alforrias foram pagas com outro
escravo, o que revela a possibilidade de escravos terem escravos como patrimônio.
Segundo Stuart Schwartz: “No contexto da história comparativa da escravidão
nas Américas, a considerável iniciativa dos escravos brasileiros em obter sua
liberdade pode fornecer alguma pista para a taxa aparentemente mais elevada de
alforria no Brasil do que nos Estados Unidos. A chave pode estar não na
natureza da escravidão nos vários regimes, mas nos contornos das sociedades
construídas sobre a escravidão e na reação dos escravos a ela. Dadas as
desvantagens e restrições óbvias sofridas pelos libertos na sociedade
escravista norte-americana, as pessoas ainda em cativeiro podem ter feito um
cálculo astuto de que os sacrifícios necessários para o acúmulo do preço de
auto-compra simplesmente não valiam o resultado final, especialmente porque o
processo recompensou o proprietário. Isso não quer dizer que os escravos na
América do Norte não quisessem a liberdade, mas sim que eles não viam a compra
como um veículo viável para esse fim [...] Os escravos brasileiros com uma gama
mais ampla de oportunidades como libertos estavam mais dispostos a perseguir
esse objetivo por meio da compra. Obviamente, este argumento é hipotético, mas
pelo menos desloca a discussão da alforria de uma consideração exclusiva das diferenças
culturais dos proprietários de escravos para a inclusão das percepções e
iniciativas dos escravos, em resposta aos regimes criados por demográficos,
econômicos, e fatores culturais”.[13]
[1] GOMES, Laurentino.
Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.326
[2] CALDEIRA, Jorge. A
nação mercantilista, São Paulo:Ed. 34, 1999, p. 77
[3] GOMES, Laurentino.
Escravidão v. II, Rio de Janeiro:GloboLivros, 2021, p. 19
[4] SCHWARTZ, Stuart.
Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia
das Letras, 1988, p. 275; NOVAIS, Fernando. História
da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição
do Kindle, p.322
[5] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São
Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p.237
[6] GOMES, Laurentino.
Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.232
[7] GOMES, Laurentino.
Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.211; BOXER, Charles. A idade de
ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo:Cia
Editora Nacional, 1969, p. 235
[8] GOMES, Laurentino.
Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.231
[9] GOMES, Laurentino.
Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.234
[10] GOMES, Laurentino.
Escravidão, v.II, São Paulo: Globo, 2021. p.227
[11] PRIORE, Mary del.
Histórias da gente brasileira, v.1 Colônia.Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 103
[12] CALDEIRA, Jorge.
História do Brasil com empreendedores, São Paulo:Mameluco, 2009, p.229
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