quinta-feira, 23 de setembro de 2021

A fé e a razão em Santo Agostinho

 

No livro V de Confissões Agostinho condena os prazeres sensuais bem como “o desejo vão e curioso de investigação [...] que é dissimulado sob o nome de conhecimento e ciência”. Para Agostinho o conhecimento adquirido por mera curiosidade não tem qualquer valor: “os homens tratam de investigar os fenômenos da natureza, embora o conhecimento não tenha valor para eles, pois desejam conhecer simplesmente pelo gosto de conhecer”[1]. São Bernardo afirma “deve-se aprender apenas para a própria edificação ou para ser útil aos outros; o saber pelo saber é apenas uma vergonhosa curiosidade”. [2] Agostinho na Cidade de Deus, exalta os inventos humanos nas edificações, adornos, agricultura, navegação, escultura e pintura[3], porém revela que tais criações apenas revelam “a natureza da alma humana em geral, e o homem é mortal; não servem de referência ao caminho da verdade pelo qual ele chega à vida eterna”[4]. Agostinho as “muitas artes maravilhosas como resultado da necessidade e também da inventividade exuberante” revelam “uma inesgotável riqueza da natureza”, mas aponta que este vigor do espírito se volte para “coisas supérfluas e também coisas perigosas e destrutivas”. Para Santo Agostinho: “para descobrir Deus alguns leem um livro, mas existe um grande livro: a própria aparência da criação. Levantem os olhos, abaixem-nos, vejam, leiam. Deis, que vocês buscam descobrir, não criou as letras de tinta, ele pôs sob seus olhos as próprias coisas que fez”.[5] Por outro lado Santo Agostinho afirma “A verdade está mais no que Deus revela do que nas conjecturas de homens que andam às escuras”.[6] Para Agostinho o legado intelectual do mundo greco romano tinha um papel secundário para construção da cultura: “se os filósofos pagãos exprimiram, por acaso, verdades úteis á nossa fé, em especial os filósofos platônicos, não só não há que recear tais verdades como é preciso arrancá-las, para nosso serviço, a esses seus detentores ilegítimos”.[7] Para Agostinho “Fides, si non cogitatur nulla esta – a fé, sem a razão, é nula”.[8]

[1] LYONS, Jonathan. A casa da sabedoria, Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.68

[2] VERGER, Jacques. Homens e saber na idade média, Bauru:EDUSC, 1999, p. 33

[3] KLEMM, Friedrich, A history of western technology, London:Ruskin House, 1959, p. 61

[4] BOORSTIN, Daniel. Os criadores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1995, p.87

[5] CROMBIE, Alistair; NORTH, John. Universo. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 664

[6] BYNUM, William. Uma breve história da ciência. Porto Alegre:L&PM Pocket, 2018, p. 51

[7] GONTIJO, Silvana. O mundo em comunicação, Rio de Janeiro:Aeroplano, 2001, p.80

[8] AQUINO, Felipe. Uma história que não é contada, Lorena: Cleofas, 2008, p. 132



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