sexta-feira, 13 de agosto de 2021

O papel modernizador da pandemia do século XIX no Rio de Janeiro

 

Jorge Caldeira aponta o papel das Irmandades no fomento da economia local.[1] Em seu estudo das corporações de ofícios no Rio de Janeiro de 1820 a 1850 Eulália Lobo mostra que “As irmandades e as corporações desempenhavam importante papel mesmo depois do fechamento oficial das corporações, em 1824. As irmandades funcionavam como bancos, defendiam os interesses das corporações”. Para custear as procissões no Rio de Janeiro todos os mestres com loja aberta teriam de pagar uma taxa e caso se recusassem teriam suas lojas fechadas.[2] Mesmo depois do fechamento oficial das corporações, as irmandades continuaram desempenhando importante papel.[3] Leandro Malavota, contudo, observa que tais corporações não tinham o poder de impor barreiras de entrada no mercado a agentes fora da corporação.[4] João José Reis aponta que as reformas liberais prometidas por Pedro I incluíam que as municipalidades providenciassem a remoção dos mortos das áreas urbanas por questões sanitárias fazendo com que as irmandades e paróquias abandonassem o costume de enterrar seus mortos nas igrejas. Em 1836 um levante popular na Bahia contra a proibição dos enterros nas igrejas ficou conhecido como Cemiterada. As irmandades se queixavam que com a nova regra e a criação de cemitérios geridos pela iniciativa privada, haveria uma queda de associados, e nas suas rendas, pois a garantia de uma sepultura nos templos era certeza de uma vida bem aventurada no além túmulo. Para aristocracia a sepultura perétua nas Igrejas garantia a glória da família pelas gerações vindouras já para os escravos uma cova na capela da irmandade dignificava sua morte. Apesar da resistência a epidemia de cólera que atingiu uma vasta área do Império em 1855-1856 terminou por levar a um inexorável movimento de secularização dos cemitérios. Com o afastamento de vivos e mortos instaurou-se um “estranhamento enre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, acompanhado de um esfriamento das relações das pessoas com o sagrado” o que levou a secularização da mentalidade da época, declínio das irmandades e novas formas de de associação como grêmios literários e associações de classe. Na análise de José Reis: “o surto epidêmico de meados do século XIX serviu como catalisador das mudanças que já vinham lentamente trabalhando a mentalidade do século, inclusive no que diz respeito ao modo de morrer”.[5]

[1] CALDEIRA, Jorge. A nação mercantilista, São Paulo:Ed. 34, 1999, p. 154

[2] LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 253

[3] MARTINS, Mônica de Souza Nunes. Entre a cruz e o capital: mestres, aprendizes e corporações de ofícios no Rio de Janeiro (1808-1824). Tese de Doutorado. Curso de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Orientador: José Murilo de Carvalho, Rio de Janeiro, 2007, p.56 http://livros01.livrosgratis.com.br/cp057043.pdf

[4] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 113

[5] NOVAIS, Fernando. História da vida privada no Brasil , v.2, São Paulo:Companhia das Letras, 2019. Edição do Kindle, p121



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