O Código de Hammurabi, (1728 a
1686 a.c.)[1] datado de 1750 a.c. foi descoberto pela expedição francesa de Jacques de Morgan
em 1902 nas escavações em Susa[2] uma cidade bastante longe do lugar próximo a Babilônia onde foi originalmente
erguido o que mostra que já na naquela época o monumento era uma “presa de guerra”.[3] O Código com 282 artigos mostra um baixo relevo com o rei Hammurabi diante de
Chamach / Shamash, deus Sol e deus da justiça
sentado em seu trono que vai ao monte ditar o conjunto de leis, numa
relação bastante similar às Tábuas da lei de Moisés entre os judeus séculos
depois. Em ambos os casos o direito religioso está muito presente. Na sentença
196 é dito que “se um awilum (homem livre) destruiu o olho de um outro
awilum, destruirão o seu olho”. Na sentença 197 “se alguém partiu um ossso
de um homem livre, ser-lhe-á partido o osso”. Na sentença 200 é dito que “Se
um awilum arrancou o dente de um awilum igual a ele, arrancarão também o seu
dente”.[4] Em
Levítico 24:20, por sua vez, a lei mosaica estabelece a regra de Talião do “olho
por olho, e dente por dente”. Moisés viveu por volta de 1500 a.c.,
portanto, alguns séculos depois de Hammurabi. Os dez mandamentos guardam muitas
semelhanças com o código de Hammurabi.[5] Hammurabi não se considerava um Deus tal como ao faraó no Egito, mas um ungido
pelo deus[6].
O Código de Hammurabi tornou-se a base das leis dos povos semitas tais como os
babilônios, assírios, caldeus e hebreus[7].
O rei legislador Hammurabi usou a atividade legislativa para unificar e
centralizar o império[8].
Embora os sumérios tenham escrito um código de leis três séculos antes de
Hammurabi, a concisão do estilo o tornou o texto legislativo mais famoso da
antiguidade pré romana[9].
O Código de Hammurabi reflete as ordens do deus Marduk, um deus que governava
não somente o povo mas a natureza e os fenômenos da natureza. Na sentença 2
prevê a natureza como árbitro de litígios: “se alguém imputou a um homem
atos de feitiçaria, mas se ele não pode convencê-lo disto, aquele a quem foram
imputadas as atividades de feitiçaria irá ao rio e mergulhará no rio. Se o rio
o dominar, o acusador ficará com sua casa. Se este homem for purificado pelo
rio, e se sair são e salvo, aquele que o tinha imputado atos de feitiçaria será
morto; enquanto que aquele que mergulhou no rio ficará com a casa de seu
acusador”. Segundo Leonard Mlodinow a codificação de leis representou
indiretamente que a natureza também seria determinada por leis, no sentido de
descrição dos fenômenos naturais. O termo “astronomia”
tem em sua raiz a palavra grega nomos que significa “lei” no sentido de uma lei
humana.[10] O Código de Hammurabi destaca-se como um código de ordena leis e preceitos locais
em certa de trezentos parágrafos e continuaria a exercer influência muito tempo
depois de desaparecido o império da Babilônia.[11] Segundo Marcelo Rede não há como desconectar o aspecto religioso da análise do
Código de Hammurabi: “Assim como a astronomia, a medicina e as demais formas
de conhecimento, a cultura jurídica mesopotâmica jamais foi completamente
autônoma em relação ao universo do sobrenatural. Suas representações e práticas
sempre estiveram marcadas por uma íntima conexão com as concepções sobre o
sagrado e as práticas rituais e mágicas: uma vez que as leis eram consideradas
o instrumento dos deuses para assegurar a convivência ordenada no plano social,
a esfera jurídica consistia dos mesmos preceitos e procedimentos que
caracterizavam todas as demais formas de contato com o universo divino e que
propiciavam a correta manifestação da vontade dos deuses acerca do conflito
entre os homens”.[12]
O Código de Hammurabi descreve diversas
decisões reais que reflete regras e costumes dos sumérios (previstos no código Ur-Nammu)
e estabelecendo pela primeira vez direitos dos artesãos, como um salário mínimo
fixado por lei[13],
possui no parágrafo 188 a seguinte provisão “Se o artesão toma para criar um
menino e lhe ensina o seu ofício, este não pode mais ser reclamado” e paragrafo
189: “Se ele não lhe ensinou o seu ofício, o adotado pode voltar à sua casa
paterna”, como forma de se proteger a técnica dos artesãos[14]. Os
parágrafos mostram a preocupação de justiça social da reforma de Hammurabi ao
conferir direitos iguais entre filhos adotivos e filhos naturais: o artesão
somente terá direito a esse filho adotivo se lher ensinar seu ofício.[15] Entre os ofícios citados no código no parágrafo 274 encontra-se pisoeiro
(kamidu), o que trabalha com linho, gravador de sigilos (parkullu), construtor
de arcos (sasinnum), ferreiro (nappahum), carpinteiro (nagarum), trabalho em
couro (askapum), cesteiro (atkuppum), pedreiro (itinnum).[16] Nuno Carvalho observa que o exemplo do Código de Hammurabi reconhece o valor do
conhecimento que era transferido do artesão ao aprendiz. Segundo Nuno Carvalho
o exemplo mostra que “os princípios da propriedade industrial estão
profundamente enraizados no tecido social – tão enraizados quanto todos os
outros princípios relativos à apropriação privada de riqueza”.[17] Para
Nuno carvalho a sentença 189 do Código de Hamurábi está inserida num contexto
de normas sobre direito de família e sugere como motivação o fato de o artesão
ter investido no treinamento do aprendiz. Trata-se, de um ponto de vista da propriedade
industrial, de uma forma indireta de apropriação do conhecimento. Para Henrique
Caldeira: “essa sentença 189 está rodeada por outras sobre adoção e questões
relativas a "posse" da criança (como filho próprio ou adotivo). A
sentença anterior, por exemplo, protege a "posse" de filhos adotivos
por certos funcionários do palácio. Nesse contexto, a sentença 189 poderia ser
entendida por outros motivos, por exemplo, o fato de que o operário
"investiu" (tempo e recursos) na criança e que não pode ter esse
investimento desperdiçado. Outra razão poderia ser que a criança treinada agora
faz parte de uma categoria social com certas expectativas e funções, e não pode
abandonar esse papel”[18]
Para Nuno Carvalho o código de Hammurabi se
estas disposições não foram elaboradas para proteção de segredos e técnicas não
faria sentido reter o aprendiz, de modo que não procede o argumento de Pamela
Long de que não há provas da existência de segredos na Antiguidade[19].
Uma placa cuneiforme descrevendo um método para fabricar uma liga semelhante a
prata mostra instruções para não se revelar a técnica[20].
Na Mesopotâmia embora os artesãos se reunissem em bairros, como a rua dos
ourives em Sippar, e adotassem um deus protetor comum, não há provas de que se
reunissem em corporações.[21] Jeremias 37:21 se refere a rua dos padeiros no reinado de Zedequias em 597 a.C.
[1] CERAM, Walter. O
segredo dos hititas, Belo Horizonte:Itatiaia, 1961, p. 149; Grande História
Universal: o princípio da civilização, Barcelona:Folio, 2001, p.86; GILISSEN,
John. Introdução histórica ao direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian
1986, p. 61
[2] EYDOUX, Henri Paul. Á
procura dos mundos perdidos, São Paulo:Melhoramentos, 1967, p. 289; SARTON,
George. Ancient Science Through the Golden Age of Greece, New
York:Dover, 1980, p.86; GARBINI, Gioavanni. Mundo Antigo, São Paulo: Enc. Britãnica, 1966,
p. 42
[3] EYDOUX, Henri Paul. Á
procura dos mundos perdidos, São Paulo:Melhoramentos, 1967, p. 53
[4] https://www.youtube.com/watch?v=igiz-zupuPI
[5] MARSTON, Charles. A
Bíblia disse a verdade, Belo Horizonte:Itatiaia, 1958, p. 117,
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hamurabi
[6] História da Grécia
Antiga #2 - com Donald Kagan, de Yale, 31:00
[7] BURNS, Edward McNall.
História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.80
[8] CROUZET, Maurice.
História Geral das Civilizações: O Oriente e a Grécia Antiga: as civilizações
imperiais, v. I, Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 1998, p. 207
[9] AMIET, Pierre. Babilônia. Readers's Digest. As grandes civilizações
desaparecidas, Lisboa:1981, p.122
[10] MLODINOW, Leonard. De
primatas a astronautas, Rio de Janeiro: Zahar, 2015, p.76
[11] CERAM, Walter. Deuses,
túmulos e sábios, Rio de Janeiro:Bib. Exército, 1971, p.266
[12] REDE, Marcelo. Aspectos
simbólicos da cultura jurídica na antiga Mesopotâmia. Locus: Revista de
História, v. 12, n. 2, 2006 https://periodicos.ufjf.br/index.php/locus/article/view/20649
[13] RACHET, Guy. Ur. Readers's Digest. As grandes civilizações desaparecidas,
Lisboa:1981, p.58
[14] CARVALHO, Nuno. A
estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 43; Código de Hamurábi http:
//www.culturabrasil.pro.br/hamurabi.htm.
[15] BOUZON, E. O código de
Hammurabi, Rio de Janeiro:Vozes, 1976, p.85
[16] BOUZON, E. O código de
Hammurabi, Rio de Janeiro:Vozes, 1976, p.105
[17]CARVALHO, Nuno. A
estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 47.
[18] Código de Hamurabi
Direito e Religião na Antiga Mesopotâmia https://www.youtube.com/watch?v=igiz-zupuPI
[19] LONG, Pamela. Openess, secrecy, authorship – technical arts and the
culture of knowledge from antiquity to the Renaisssance, John Hopkins, 2004, p.
71-73 cf. CARVALHO, Nuno. A
estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 44
[20] CARVALHO, Nuno. A
estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 48
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