Raimundo Faoro destaca o papel o estamento burocrático, que se distingue do conceito de classe social ou de elite dirigente, como árbitro das disputas, formador do patronato político brasileiro e que será o elemento que irá distinguir a experiência colonial brasileira do feudalismo. No Brasil colônia o Estado português organiza um estamento burocrático na colônia com recursos militares e fiscais que configuram uma “insuperável incompatibilidade” com um sistema dito feudal.[1] Para Raimundo Faoro, Portugal transpôs para o Brasil uma empresa de plantação com “inconfundível caráter capitalista”[2] politicamente orientado pelo Estado português e de cunho patrimonial, ao invés de servil[3], de modo que o chamado feudalismo brasileiro é uma mera “figura de retórica” conforme expressão de Caio Prado Júnior[4]: “a organização política econômica brasileira não resultou da superposição de uma classe sobre uma estruturação social já constituída, superposição esta resultante da apropriação e monopolização do solo”. Não há no latifúndio colonial brasileiro uma relação de reciprocidade de direitos entre o lavrador e o senhor de engenho: os dependentes, em especial os arrendatários, estavam a mercê do senhor de engenho[5]. Segundo Raimundo Faoro: “o senhor de engenho, ao devorar terras e submeter homens, entrega-se à tirânica exploração de seus parceiros, utilizando seu poder para avassalar os relutantes”. Para Raimundo Faoro: “o patrimonialismo, organização pública básica, fecha-se sobre si próprio com o estamento, de caráter marcadamente burocrático. Burocracia não no sentido moderno, como aparelhamento racional, mas na apropriação do cargo, o cargo carregado de poder próprio, articulado com o príncipe, sem a anulação da esfera própria de competência”.[6] Nesse sentido o patrimonialismo é uma expressão de um fenômeno incapaz de proporcionar rupturas como se observou na Europa na transição do feudalismo para o capitalismo: “enquanto o sistema feudal separa-se do capitalismo, enrijecendo-se antes de partir-se, o patrimonialismo se amolda às transições, às mudanças, em caráter flexivelmente estabilizador do modelo externo, concentrando no mecanismo estatal os mecanismos de intermediação, com suas manipulações financeiras, monopolistas, de concessão pública de atividade, de controle do crédito, de consumo, de produção privilegiada, numa gama que vai da gestão direta à regulação material da economia”.[7]
[1] FAORO, Raymundo. Os
donos do poder: formação do patronato político brasileiro, v.1, São Paulo:Ed.
Globo, 1975, p.18
[2] FAORO, Raymundo. Os
donos do poder: formação do patronato político brasileiro, v.1, São Paulo:Ed.
Globo, 1975, p.110
[3] FAORO, Raymundo. Os
donos do poder: formação do patronato político brasileiro, v.1, São Paulo:Ed.
Globo, 1975, p.20
[4] FAORO, Raymundo. Os
donos do poder: formação do patronato político brasileiro, v.1, São Paulo:Ed.
Globo, 1975, p.131; JUNIOR, Caio Prado. Evolução política do Brasil e outros
estudos, Rio de Janeiro:Brasiliense, 1972, p.18
[5] FAORO, Raymundo. Os
donos do poder: formação do patronato político brasileiro, v.1, São Paulo:Ed.
Globo, 1975, p.213
[6] FAORO, Raymundo. Os
donos do poder: formação do patronato político brasileiro, v.1, São Paulo:Ed.
Globo, 1975, p.84
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