Considerando que os povos ditos bárbaros tem em sua maioria origem
entre os germanos, a historiografia alemã do século XIX até hoje prefere
denominar “migrações dos povos” (Völkerwanderung)
ao invés de migrações de povos bárbaros.[1] Humphrey
Kitto mostra que a palavra grega “bárbaros”
não significava “pessoas que vivem em
cavernas e comem carne crua” apenas significa povos não helênicos que
produzem sons como “bar bar” em vez
de falarem grego, como por exemplos os egípcios.[2] A
designação de “bárbaros” ou “berberes” já era usada pelos romanos aos
povos africanos não helênicos[3]. Na
antiga Suméria e Babilônia “barbaru”
significava “estrangeiro”[4]. Entre
os gregos no século VIII a.c. os povos estrangeiros eram chamados de barbaroi
porque seu idioma soava como um balbuciar incompreensível.[5] O
filósofo Giorgio Agamben recorda que, segundo o apóstolo Paulo, “se não conheço a força da linguagem, serei
como um bárbaro para aquele que fala e aquele que fala será um bárbaro para mim”
(1 Cor. 14,11). Para o filósofo italiano, o termo bárbaro remete a um ser não
dotado de logos, um estrangeiro que
realmente não consegue entender nem falar. Βάρβαρος. O historiador Amiano
Marcelino descreve os bárbaros invasores: “com
uma faca, marcam a face dos meninos recém nascidos, para que não cresça a barba
sobre a cicatriz. São muito feios e encurvados. Passam o dia e a noite montados
em seus cavalos, disformes mas fortes, sobre os quais combatem, compram e vendem.
Comem, bebem, dormem e sonham agarrados ao pescoço de seus cavalos. São
guerreiros ferozes, que provocam grandes estragos”.[6] Paulo
era hebreu (Flipenses 4:5) mas por ter levado o evangelho aos não judeus
tornou-se conhecido como o “apóstolo dos
gentios” (Atos 15:7). Segundo Robert Fossier esta divisão foi o fundamento
da hostilidade dos medievais aos estrangeiros.[7] Alessandro
Cavagna mostra que a Europa germânica do século IV de povos como ostrogodos,
visigodos, suevos, burgúndios, lombardos entre outros uma ocupação mais
elaborada dos solos com uso de utensílios aperfeiçoados na agricultura,
técnicas mais rentáveis de extração do ferro e refinamento das técnicas de
cerâmica e ourivesaria.[8] O
escritor cristão Salviano no século V descreve os povos bárbaros: “os godos mentem mas são castos, os francos
mentem mas são generosos, os saxões são
selvagens em crueldade mas admiráveis em castidade. Que esperança pode haver
para os romanos, se os bárbaros são mais puros do que eles ? “[9] Amiano Marcelino descreve os hunos como de “pescoços grossos, e são tão prodigiosamente disformes e feios que os
poderíamos tomar por animais bípedes”.[10] Paulo
Miceli observa que muitos bárbaros já faziam parte dos próprios exércitos
romanos: “seria mais certo dizer que esta
história começa com a migração dos povos germânicos, pois bárbaros era a
denominação que os romanos davam a todos os que não faziam parte de seu império”.[11] Marc
Bloch (na figura) mostra que as invasões normandas e sarracenas haviam criado um ambiente
de insegurança que levou a destruição dos campos, pilhagens e saques nas
cidades com impacto direto na cultura. Marc Bloch mostra que na baixa Idade
Média “o homem vivia então em estado de
perpétua e dolorosa insegurança. Não era, como hoje, a angústia do perigo
atroz, coletivo e intermitente, que um mundo de nações em armas contém. Nem tão
pouco, ou, pelo menos, não era o principal, a apreensão das forças econômicas
que esmagam o pobre ou o mal afortunado. A ameaça, que era de todos os dias,
pesava sobre cada destino individual, atingindo, não só os bens, como a própria
carne [...] A violência imperava também no mais profundo da estrutura social e
da mentalidade”. [12] No
prefácio da Regra Pastoral de Gregório Magno, o rei Alfredo evoca
dolorosamente “o tempo em que, antes que tudo fosse devastado ou queimado, as igrejas
inglesas estavam recheadas de tesouros e de livros”.[13] Segundo
Marc Bloch: “é certo que as incursões
árabes, húngaras ou escandinavas não detêm toda a responsabilidade da apreensão
que pesava sobre os espíritos, mas cabia-lhes uma larga parte dela”. Robert
Fossier aponta para outro aspecto que motivava a se viver junto, a expectativa
de uma inevitável vinda do juízo final dos tempos para o juízo final.[14]
[1] PONTESILLI, Massimo. As
migrações dos bárbaros e o fim do império romano do occidente. Cf. ECO,
Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom
Quixote, 2010, p.60-61
[2] KITTO, Humphrey Davey Findley. Os gregos. Coimbra:Armenio Amado,
1970, p. 12
[3] WENDT, Herbert. Tudo
começou em Babel, São Paulo:Difusão, 1962, p. 45
[4] HALL, Edith. The ancient greeks, London:Vintage, 2015, p.22
[5] STANDAGE,
Tom. História do mundo em 6 copos, Rio de Janeiro: Zahar, 2005, p. 47
[6] DEARY, Terry. Terríveis
romanos. São Paulo:Melhoramentos, 2002, p. 61; MENDES, Chico; VERÍSSIMO, Chico;
BITTAR, William. Arquitetura no brasil de Cabral a Dom João VI, Rio de
Janeiro;Imperial Novo Milênio, 2009, p. 12
[7] FOSSIER, Robert. As
pessoas da idade média, Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 236
[8] CAVAGNA, Alessandro. Os
povos germânicos. Cf. ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e
muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.65-66
[9] FREMANTLE, Anne. Idade
da fé. Biblioteca de História Universal Life. Rio de Janeiro:José Olympio,
1970, p.14
[10] MICELI, Paulo. O
feudalismo, São Paulo: Atual, 1986, p. 12
[11] MICELI, Paulo. O
feudalismo, São Paulo: Atual, 1986, p. 11
[12] BLOCH, Marc. A
sociedade feudal, Lisboa:Edições 70, 1982, p.451
[13] BLOCH, Marc. A
sociedade feudal, Lisboa:Edições 70, 1982, p.59
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