segunda-feira, 19 de julho de 2021

A Revolução agrícola, tecnologia e religião

 

Arnold Toynbee (figura) destaca que seria um erro analisar a revolução agrícola meramente do ponto de vista tecnológico: “descrever esta revolução apenas em termos tecnológicos e econômicos é fazer um relato inadequado. Antes que a epifania das religiões mais elevadas separasse as atividades religiosas das seculares, todas as atividades sociais e culturais eram igualmente religiosas. Tanto a agricultura como a criação tinham certamente aspectos religiosos e econômicos e a revolução agrícola pastoril poderia nunca ter-se realizado se não fosse uma revolução religiosa em algum de seus aspectos”.[1] Stuart Piggott, contudo, considera a abordagem de Toynbee, ao considerar aspectos teológicos, como indutora de erro pois não há como compatibilizar uma abordagem baseada na mística cristã com os dados arqueológicos: “o modelo cíclico do passado, concebido por Arnold Toynbee, para mim, é uma opinião que, em parte, ignora dados significativos e, por outro, é um produto de uma confusão infeliz entre a investigação histórica e a elaboração de juízos morais, a priori”.[2] Segundo Joseph Campbell: “a arte de lavrar o solo avança a partir da área em que se desenvolve primeiro, levando consigo uma mitologia que tem a ver com a fertilização da terra, com plantar e cultivar plantas alimentícias – mitos como [...] o de matar uma divindade, cortá-la em pedaços, enterrar as partes, e daí, o crescimento das plantas. Um mito desse tipo acompanhará uma tradição agrária ou lavradora. Mas você não o encontrará numa cultura voltada para a caça”.[3]

Com a agricultura se intensifica a imagem do feminino, da Mãe terra como deusa, e dos cultos de fertilidade[4]. O culto de Eleusis fazia referência a mãe terra Ge meter.[5] Segundo Joseph Campbell: “A mulher dá a luz, assim como da terra se originam as plantas. A mãe alimenta, como o fazem as plantas. Assim, a magia da mãe e a magia da terra são a mesma coisa. Relacionam-se. A personificação da energia que dá origem às formas e as alimenta é essencialmente feminina. A Deusa é a figura mítica dominante no mundo agrário da antiga Mesopotâmia, do Egito e dos primitivos sistemas de cultura do plantio”.[6] No Egito a morte de Osíris foi simbolicamente associada à cheia e transbordamento do Nilo que periodicamente propiciava a fertilização do solo, como se decomposição do corpo de Osíris fertilizasse a terra. A irrigação natural observada no Nilo segundo Gordon Childe foi o protótipo de todos os sistemas primitivos de cultivo, foi a certeza da regularidade de tais inundações que levou o homem a plantar sementes de grãos como trigo e cevada, deixando-as crescer.[7] Segundo Rousseau os homens inventaram os deuses para dar autoridade às descobertas humanas, tais como a agricultura, caso contrário, não haveria de como conseguir a adesão ao trabalho necessário dos demais para que o empreendimento tivesse êxito.[8]

[1] TOYNBEE, Arnold. Um estudo da história.Brasília:UNB, São Paulo:Martins Fontes, 1986, p.51

[2] PIGGOTT, Stuart. A Europa antiga, Lisboa:Fund. Calouste Gulbenkian, 1965, p. 12, 26

[3] CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo:Palas Atena, 1990, p.55, 187

[4] CHILDE, Gordon. A evolução cultural do homem, Rio de Janeiro:Zahar, 1966, p.108

[5] HARRIS, J. O legado do Egito, Rio de Janeiro:Imago, 1993, p.163

[6] CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo:Palas Atena, 1990, p.177

[7] CHILDE, Gordon. A evolução cultural do homem, Rio de Janeiro:Zahar, 1966, p.84

[8] ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a desigualdade. Os pensadores: Rousseau, São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 245




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