sábado, 10 de julho de 2021

A liberdade de ensino nas universidades medievais

 

Para o reitor medieval da Universidade de Paris Pierre d’Ailly: “Na filosofia ou na doutrina de Aristóteles, não há absolutamente ou então há poucas razões evidentemente demonstráveis [...] Concluo que a filosofia ou a doutrina de Aristóteles merece mais ser chamada de opinião que de ciência“.[1] Segundo a diretriz de 1210 “tampouco os livros de Aristóteles sobre filosofia natural e seus comentários devem ser lidos em Paris, em público ou em segredo, e isso proibimos sob pena de excomunhão”.[2] Novas restrições foram publicadas pela Universidade de Paris o que denuncia a ineficácia de tais medidas. Em 1231 o papa exigiu que tais livros fossem “examinados e purgados de qualquer suspeita de erro”, mas em 1254 vemos os mesmos livros como parte do currículo de artes, ou seja, não foram expurgados.[3] Em 1241 uma série de dez erros foram apontados pelo reitor da Universidade de Paris em questões que envolviam a visibilidade da essência divina e a localização das almas após a morte se seria no ceu empíreo ou no cristalino[4]. Charles Haskins conclui que exceto pelas questões teológicas havia muita liberdade no ensino nas universidades do século XIII: “uma cerca não é um obstáculo para quem não deseja transpô-la; e muitas barreiras que pareceriam intoleráveis para uma época mais cética não eram sentidas como barreiras pelos professores medievais Se alguém se sente em liberdade, então é livre”[5]. Roger Bacon ensinava a Física de Aristóteles na Universidade de Paris em 1240.[6] Uma citação de Aristóteles não era objeto de contra argumentação: Magister dixit. [7] Aristóteles afirmava por exemplo, que a mulher tem menos dentes que o homem[8], uma afirmação simples de ser contestada: “bastava que madame Aristóteles abrisse a boca” como diz Bertrand Russell. [9] Segundo Francis Bacon: “Aristóteles estabelecia antes as conclusões, não consultava devidamente a experiência para estabelecimento de suas resoluções e axiomas. E tendo, ao seu arbítrio, assim decidido, submetia a experiência como a uma escrava para conformá-la ás suas opiniões. Eis porque está a merecer mais censuras que os seus seguidores modernos, os filósofos escolásticos, que abandonaram totalmente a experiência”.[10]

[1] LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na idade média. São Paulo:Brasiliense, 1989, p.106

[2] LYONS, Jonathan. A casa da sabedoria, Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.171

[3] HASKINS, Charles. A ascenção das universidades, São Paulo: Danúbio, 2015, p.930/1743

[4] HASKINS, Charles. A ascenção das universidades, São Paulo: Danúbio, 2015, p.940/1743

[5] HASKINS, Charles. A ascenção das universidades, São Paulo: Danúbio, 2015, p.955/1743

[6] SHANK, Michael. Mito 2: Que a igreja cristã impediu o avanço da ciência. In: NUMBERS, Ronald. Terra plana, Galileu na prisão e outros mitos sobre a ciência e religião, Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020, p. 44

[7] THOMAS, Henry; THOMAS, Dana Lee. Living biographies of great scientists, New York:Blue Ribbon Books, 1946, p.37

[8] DURANT, Will. A filosofia de Aristóteles. Rio de Janeiro, Ediouro, 1982, p.57

[9] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 22

[10] ABRANTES, Paulo. Imagens de natureza, imagens de ciência, Campinas:Papirus, 1998, p.70



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