A dialética
socrática herdada pelos gregos era baseada em uma argumentação baseada em
alguma realidade incontestável da simples experiência, sobre a qual se constrói
uma argumentação complexa, por meio de regras claras e lógica. A dialética
partindo de opiniões que se contrapõem, comumente em um diálogo em que
apresentam duas teses divergentes, consegue separar a mera opinião (doxa) do conhecimento verdadeiro ou
ciência (episteme) possibilitando
assim elevar a pessoa ao mundo das ideias[1]. O
conceito de doxa aparece no termo “paradoxal” que significa o que se
afasta da opinião corrente. Enquanto os sofistas lidam com a doxa, mutável e moldável através da
retórica, o filósofo lida com a episteme
ou verdade enquanto conhecimento imutável das coisas[2]. A episteme
é o saber que adquirimos depois de tê-lo procurado de forma metódica por meio
de um método, ao contrário daquilo que sabemos sem tê-lo procurado, o que
representa uma mera opinião.[3] Da mesma
forma o conhecimento do prático, do artesão, obtido sem o resultado de uma
reflexão, mas fruto da experimentação, tende a não se enquadrar no objeto de
estudo do filósofo que busca a episteme, um saber racional, um saber reflexivo.
Moses Finlay observe que a episteme de Aristóteles é o que mais aproxima
de nossa ciência: não basta saber que algo é assim, aquilo que a experiência
revela, mas porque é assim[4]. E.
Madchio mostra que segundo Platão o acesso à verdade não é o resultado de um processo
racional, ao invés disso, as “formas” são descobertas ou contempladas. Em Metafísica
Aristóteles afirma “aquilo que é chamado de sabedoria (sophia) diz respeito
às causas primeiras e aos princípios” (Livro 1 , Parte 2). O mais alto grau
do saber é a contemplação do porquê das coisas[5], ao
passo eu os que experimentadores conseguem descrever o fenômeno sem entender do
porque tal fenômeno se dá daquela forma e não de outra. A sabedoria, portanto, é a ciência das causas
e dos princípios.
Segundo Werner Jaeger: “Platão julgava captar, com a sua teoria das ideias, o sentido e a essência da dialética socrática e tentava formular claramente as suas premissas teóricas. Esta teoria tem implícito um novo conceito de conhecimento, substancialmente diverso da percepção sensorial, e um novo conceito do ser ou do real, distinto do que tinham os antigos filósofos da natureza”.[6] Para Garcia Morente: “a dialética consiste para Platão, numa contraposição de intuições sucessivas, cada uma das quais aspira a ser a intuição plena da ideia, do conceito, da essência; mas como não pode sê-lo, a intuição seguinte, contraposta á anterior, retifica e aperfeiçoa essa anterior. E assim, sucessivamente, em diálogo ou contraposição de uma intuição à outra, chega-se a purificar, a depurar o mais possível essa vista intelectual, esta vista dos olhos do espírito, até aproximar-se o mais possível dessas essências ideais que constituem a verdade absoluta”.[7] Do mesmo modo que o médico agrupa vários casos concretos numa mesma categoria de mesmo caráter essencial, assim a investigação dialética do conhecimento como uma sinopse - sinopsis, a síntese do diverso na unidade do conceito de ideia em que “se vê no múltiplo a unidade da ideia”.[8] Toda a argumentação, portanto, é baseada em concepções abstratas sem se recorrer novamente a experiência para confirmação destas conclusões, ou seja, a experimentação para confirmação de hipóteses tem menos importância nesta dialética. Werner Jaeger ao discorrer sobre a dialética de Sócrates: “O pouco apreço pela ciência e pela erudição, o gosto pela dialética e pelos debates em torno aos problemas do valor são características atenienses”.[9]
[1] BRAGA, Marco; GUERRA,
Andreia; REIS, Jose Claudio. Breve historia da ciência moderna, v.I, Rio de
Janeiro:Zahar, 2011, p. 17
[2] COLCHETE, Eliane;
JUNIOR, Luis. A formação da filosofia contemporânea, Rio de Janeiro:Litteris,
2014, p.41
[3] MORENTE, Manuel Garcia.
Fundamentos de filosofia: lições preliminares. São Paulo:Mestre Jou, 1970, p.26
[4] FINLEY, Moses. Los
griegos de la antiguedad. Barcelona: Editorial Labor, 1966, p. 122
[5] MONDOLFO, Rodolfo. O
pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre
Jou, 1973, p. 14
[6] JAEGER, Werner.
Paideia, São Paulo:Ed. Herder, 1936, p.572
[7] MORENTE, Manuel Garcia.
Fundamentos de filosofia: lições preliminares. São Paulo:Mestre Jou, 1970, p.38
[8] JAEGER, Werner.
Paideia, São Paulo:Ed. Herder, 1936, p.813
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